Memórias (luta pela igualdade)

1- Espantada com o que se tem dito e escrito sobre o novo Presidente do Tribunal Constitucional, que, na semana passada, foi tema obrigatório de comentário das elites bem pensantes, nos mais excelentes jornais e programas televisivos, que costumo, respetivamente, ler e ver, não posso resistir à tentação de engrossar o caudal mediático, como cidadã sem pretensões à superioridade intelectual e moral, que se arrogam tantas celebridades. Pequena vantagem, a meu favor: conheço o Doutor Caupers, trabalhámos, durante anos, como assessores do Provedor de Justiça. Foi há muito tempo, tinha eu trinta e poucos anos, e ele bastante menos – sendo o mais jovem e o mais brilhante de todos nós.

A Provedoria de Justiça era, também, uma instituição nova, inspirada no “Ombudsman” dos países nórdicos, criada em 1976, no quadro da democracia nascente, que precisava de refazer a sua arquitetura jurídico-constitucional e de a habitar, mudando costumes e mentalidades. Neste aspeto, nenhuma estrutura era mais desafiante do que o Serviço do Provedor de Justiça – entidade à qual os cidadãos podiam, (podem), recorrer, sem custos nem burocracias, contra erros e abusos da Administração Pública. Os portugueses sabiam bem o que era o Poder constituído – o poder de legislar, decidir, executar, julgar, punir, pela força da Lei.
O primeiro Provedor de Justiça, em 1976, foi um militar de Abril, o Tenente-Coronel Costa Braz. O segundo, o Dr. José Magalhães Godinho, advogado de renome, corajoso democrata, que afrontou o antigo regime, e um verdadeiro humanista. Tal como João Caupers, tive o privilégio de trabalhar com ambos e de apreciar a forma como souberam dar corpo à instituição. A política afastou-me da Provedoria, em definitivo, no início da década de 80, e não mais pude seguir, de perto, a sua trajetória, mas ficou-me a impressão de um certo e progressivo apagamento, apesar das figuras ilustres que ali se sucederam, até que, finalmente, o cargo foi entregue a uma mulher, a Profª Maria Lúcia Amaral. Com ela, retomou o antigo fulgor! A sua mais recente tomada de posição aponta à inconstitucionalidade das alterações à legislação eleitoral autárquica, engendradas pelo bloco central parlamentar, em 2020.

2 – Comecei a minha vida profissional como assistente de um centro de estudos juslaborais (em alguns períodos acumulado com o ensino universitário) e, depois, como assessora do Provedor de Justiça. Lugares de gabinete, onde, não havendo promoções, competição, rivalidade, éramos todos amigos e solidários. Não sei se em funções dessa natureza, isso acontece como regra. Comigo aconteceu. Na verdade, não só os colegas, mas também os “chefes” foram excecionais, a ponto de não recordar o mínimo incidente desagradável, em cerca de doze anos de trabalho. Não posso, obviamente, dizer o mesmo do que se seguiu, em outras funções, nos cinco Governos a que pertenci e no Parlamento, onde, como se sabe, é praticamente impossível o mesmo grau de harmonia, consenso e boa vontade geral.
Na minha primeira experiência governativa – com o Prof. Mota Pinto num governo de nomeação presidencial, para o qual fui chamada precisamente por não ter filiação partidária – levei comigo, como Chefe de Gabinete, o colega da Provedoria Manuel Marcelino, uma sumidade em Direito Administrativo e uma simpatia. E quando, em março de 1979, descobri, esquecido numa gaveta, um anteprojeto de lei sobre a igualdade, logo decidi constituir uma equipa para lhe dar rápida sequência, e de novo me socorri da qualificada assessoria jurídica do meu serviço de origem. (…)

Manuela Aguiar
Ex-secretária de Estado e Vereadora da CME

Artigo publicado, na íntegra, na edição de 25 de fevereiro de 2021. Assine o jornal que lhe mostra que lhe mostra Espinho por dentro, a partir de 28,5€.