Rui Guimarães quer que o Centro Hospitalar de Gaia/Espinho ombreie com os hospitais de primeiro plano do país e até considera que já se justifica uma reclassificação. Em entrevista realizada em Espinho, o presidente do conselho de administração congratulou-se com a nova urgência da Unidade 1, em Gaia, e destaca o serviço ambulatório de cirurgia da Unidade 3, não se esquivando a diagnosticar a eventual reativação do serviço de urgência espinhense.

A nova urgência é um sinal de dinâmica e revitalização do Centro Hospitalar de Gaia/Espinho? É a nova imagem de marca da Unidade 1?
A antiga urgência mal servia as pessoas de Gaia e de Espinho e as de fora destes dois concelhos. Podemos ter a sala em casa com uma televisão “x p t o” e o mobiliário do melhor que existe, mas que importa isso se a sala está cheia de bolor e a porta da entrada ser pequena e baixinha e nada disso ser apelativo?! Uma unidade de urgência é a porta de entrada de um hospital e o seu “cartão-de-visita”. E não escondo que um dos piores “cartões-de-visita” que o país provavelmente tinha em termos de serviço de urgência era o do Hospital de Gaia. A Urgência andou de um lado para o outro e até já esteve em contentores e, quando tudo estava a ser preparado para o regresso ao edificado, concluiu-se que aquele espaço não era adequado e que deveria ser encarado como temporário. Entretanto, passaram muitos e muitos anos, até ser finalmente inaugurada a nova urgência.

Era assim um cenário tão mau?
Estamos a falar de um serviço de urgência em que a maioria das salas não tinha luz natural. Era uma estrutura que não tinha o devido “pé direito” de arquitetura e construção, que não tinha os fluxos funcionais e a tipologia que um moderno serviço de urgência exige, com espaços grandes e abertos. E não com salas pequenas e um espaço total que praticamente parecia um labirinto onde, aqui e ali, ia-se conseguindo pôr mais uns doentes. O espaço anterior era a antítese de uma urgência. O atual espaço foi pensado como deve ser uma urgência. Os circuitos estão feitos com todas as prioridades. A nova urgência de Gaia foi muito pensada pelos seus profissionais, ou seja médicos e enfermeiros, e não só projetada por arquitetos. Houve um foco muito grande nas pessoas que lá trabalham clinicamente, em todos pormenores. É um paradigma completamente diferente. Todo o minuto conta para se salvar um doente ou um ferido e, por isso, há agora uma porta só para a emergência. Pode ser um pequeno detalhe, mas que pode salvar pessoas.
E assim já se vê o resultado de pouco mais de um ano da atividade a que preside?
É por isso que nos temos esforçado na acessibilidade às consultas, aos tratamentos e às cirurgias. E temos reduzido notoriamente o tempo de espera, não sobrecarregando as listas. E já temos doentes à espera de serem chamados há menos de um ano. Havia quem esperasse mais do dobro do tempo!

Como é possível conjugar a redução das listas de espera com a sustentabilidade financeira?
As contas estavam, ano após ano, no vermelho. E quando digo no vermelho é muito no vermelho. Se houver mais atendimento também se justifica um reforço financeiro a quem corresponde ao normal exercício da atividade.

O Centro Hospitalar de Gaia/Espinho tem sido avaliado com boas notas…
Mas não faz sentido ter um estatuto equiparado a outros hospitais de menor dimensão e com resultados mais baixos. O Centro Hospitalar de Gaia/Espinho deve ser classificado com o nível máximo dos hospitais centrais. Por um lado, seria um prémio e uma motivação para os seus profissionais e, por outro, um acréscimo de apoio financeiro para se ter as contas em dia e poder-se fazer ainda mais e melhor.

A nova urgência pode catapultar o Centro Hospitalar de Gaia/Espinho para um patamar de referência nacional?
A população já vai reconhecendo que demos um grande salto qualitativo, porque os doentes já ficam bem acomodados e em salas que permitem ter alguma privacidade e também salubridade. Já há um conceito diferente de serviço de urgência hospitalar. A funcionalidade melhorou substancialmente, porque já não é preciso percorrer-se aquelas “capelinhas” todas, ora levando para ali a maca com o doente, ou indo por acolá para análise de sangue e, por vezes, com alterações de sinais vitais. Não era um espaço adequado para os doentes, nem para ninguém. Era um labirinto de corredores entre o serviço de raio-x ou o serviço disto e daquilo. Não era aquilo que queríamos ter. As pessoas agora podem percecionar melhor a sua segurança em urgência hospitalar. E os profissionais de saúde também têm melhores condições para o exercício da atividade nas diversas especialidades e valências. Resta a reclassificação da categoria hospitalar.

Mas ainda há uma dispersão de valências, equipamentos e especialidades na chamada Unidade 1. Um hospital central não deveria estar articuladamente edificado e essa articulação não lhe conferia mais e melhor funcionalidade? Estava proposta a ligação dessas pontas soltas… Ainda é viável esse projeto?
A vontade de outrora da Dona Amélia em separar as pessoas com doenças de tuberculose, respiratórias, pulmonares, etc., foi útil para a atual situação da covid. E assim conseguimos colocar doentes com covid em áreas de isolamento no próprio hospital. Mas, de qualquer maneira, o que disse faz todo o sentido, porque o hospital está ainda disperso. Mas já esteve mais… Chegou a ter que se transportar de ambulância para o bloco operatório doentes que estavam internados noutras alas. Era uma situação estranha e, de todo, desadequada. E depois da cirurgia e do recobro eram de novo transportados de ambulância para os seus espaços de internamento. E até era preciso a ambulância para se fazer um exame de raio-x… De facto, este cenário não faz sentido seja onde for. O edificado já foi ampliado, mas ainda falta o resto, nem que seja com ligações com mangas como nos aeroportos!

Ou seja, como as mangas que ligam os aviões às zonas de embarque e desembarque…
Sim, ou também por ligações subterrâneas. O objetivo é ligar todos os pavilhões.

E o dito pavilhão feminino que está localizado mais distante das restantes estruturas?
Já há estruturas que foram ligadas e ainda se podem articular outras, mas pode-se, estrategicamente, reservar o pavilhão feminino para consultas externas de algumas especialidades. Nesse caso, não impacta tanto com a necessidade de uma ligação edificada ao espaço central do hospital. Em tudo o resto, há esta lógica de interligação mas, como disse e bem, ainda há dispersão de edificado hospitalar. Contudo, importa avaliar e definir o que é que deve estar ligado e o que pode não estar ligado.

Não é possível que a Unidade 3, em Espinho, tenha um serviço de urgência adequado. Pode-se criar aqui um “entreposto”, um serviço intermédio com triagem e pequenos socorros.

Foi aprovada uma moção da Assembleia Municipal e também foi registada a aprovação da Assembleia da República para a reabertura do serviço de urgência hospitalar em Espinho. É ou não é viável?
Há duas abordagens para este tema. Uma abordagem política, em que respondo que estamos a trabalhar para isso e é de todo o interesse trazer de novo a urgência para Espinho. E logo alguém diz que sou mais um a enganar… seria um discurso político redondo que não causaria perturbações a ninguém, porque as pessoas ficariam mais anestesiadas…E eu até sou anestesista! Ou então deve ter-se uma abordagem mais pragmática, dizendo às pessoas que, na verdade, aquilo que interessa é ter uma porta aberta que resolva o problema de quem precisa de recorrer a um serviço de urgência. Ou ter uma porta aberta que não resolve o problema… Não é possível que a Unidade 3, em Espinho, tenha um serviço de urgência adequado. Pode-se criar aqui um “entreposto”, ou seja um serviço intermédio com triagem e pequenos socorros. A rede pré-hospitalar já tem atualmente um nível muito avançado de cuidados. E também deve-se analisar que o tempo que se demora a chegar de Espinho à Unidade 1, em Gaia, permite a devida resposta da rede de transporte hospitalar. O problema do serviço de urgência não será resolvido só com um médico e um enfermeiro…Um serviço de urgência deve ter a polivalência e a capacidade de resolver o problema. Mas temos em Gaia zonas em que, quem necessite de recorrer ao serviço de urgência da Unidade 1, tem mais dificuldade de acessibilidade, por causa da rede viária, do que quem reside em Espinho.

Portanto, não há luz verde nem ao fundo do túnel…
A Unidade 3 pode constituir um motivo de orgulho para Espinho, sabendo-se que tem alguns dos melhores serviços hospitalares do país, como é o caso do serviço ambulatório de cirurgia.

E que já corresponde a cerca de 70 por cento do serviço ambulatório de cirurgia do total do Centro Hospitalar de Gaia/Espinho…
Exatamente. Muita gente de Gaia vem fazer cirurgias a Espinho. É um serviço mais diferenciado e com elevado nível de satisfação. Temos em Espinho um serviço extremamente organizado e também é fácil a acessibilidade de Gaia a Espinho, como ao contrário para o serviço de urgência. Já temos procura exterior porque há hospitais com listas em tempo de espera de 300 dias e, em Espinho, o tempo de espera é 60 dias.

A Câmara Municipal de Espinho disponibilizou uma dezena de camas para a reativação do serviço de cuidados continuados na Unidade 3. Qual é a razão para o impasse neste processo?
Esse serviço já existiu em Espinho e com o conceito de proximidade. A autarquia pretende ver correspondido o investimento que fez relativamente ao serviço de cuidados continuados, mas a rede nacional de cuidados continuados não tem abrangido a Unidade 3, em Espinho. Mas isso não significa que temos essas camas em armazém e que não lhe damos a utilidade necessária no serviço hospitalar. Mas é um tema que temos de retomar, mal seja resolvido o problema da pandemia. Por outro lado, também ainda não foram assegurados os recursos humanos para essa unidade de serviços continuados. Vamos ter de analisar as condições para que seja possível criar, de novo, o serviço de cuidados continuados. O nosso compromisso é potenciar a Unidade 3, incluindo o espaço de consultas externas.

A Liga dos Amigos do Hospital de Espinho tem desenvolvido a sua ação ao longo de décadas, em regime de voluntariado, e até contribuído para melhoramentos estruturais da Unidade 3. É um exemplo merecedor de reconhecimento do Centro Hospitalar de Gaia/Espinho?
A Liga dos Amigos do Hospital de Espinho tem um papel importante que é a ligação com a comunidade. Estamos aqui para servir as pessoas e a Liga dos Amigos do Hospital de Espinho representa também a comunidade. São pessoas pró-ativas e com um espírito voluntário notável e que deve merecer o reconhecimento de todos. Mas a autarquia municipal também tem ajudado imenso o Centro Hospitalar de Gaia/Espinho. Por exemplo, com a cedência de tendas nas fases críticas da pandemia e a disponibilidade de recursos humanos para rastreios e outras ações de despistagem da covid.