Preguiça de meritocracia

Há dias ficamos a saber que um jovem de 34 anos iria assumir a liderança de uma das mais importantes direções gerais do país. Isto deveria ser uma boa notícia. Um jovem chegar a um cargo tão alto num país normal seria motivo de celebração. Ainda para mais sendo na Direção Geral da Segurança Social, uma área em que é muito necessário ter alguém com interesse no longo prazo como será de esperar numa pessoa de 34 anos. Num país onde é raro um jovem conseguir chegar a uma posição de liderança, isto deveria ser uma boa notícia. Seria boa notícia se Tiago Preguiça lá tivesse chegado por mérito. Infelizmente, tudo indica que tal não aconteceu.

O cargo para o qual se candidata encontrava-se vago há vários meses. Neste período, o governo não lançou um concurso público como deveria ter acontecido. Depois de alguns meses com o lugar vazio. O governo decidiu nomear em regime de substituição Tiago Preguiça, antigo assessor de Vieira da Silva e António Costa, ex líder concelhio e distrital da Juventude Socialista, uma das mais poderosas máquinas de empregos do país. No currículo de Tiago Preguiça conta-se pouco mais do que esta experiência política como assessor do governo e líder local da juventude socialista. A única experiência profissional fora da política não esteve em nada relacionada com a área da segurança social. Aquilo que seria uma boa notícia, a eleição de um dirigente jovem para a Administração Pública, é afinal apenas mais um caso de favorecimento e falta de transparência na escolha dos gestores da causa pública.

Pior do que isso, é o que isto poderá representar no concurso público que eventualmente terá que ser feito para ocupar o lugar definitivamente. Tiago Preguiça dificilmente seria o escolhido num concurso público aberto e transparente, por não ter experiência relevante. No entanto, depois de passar alguns meses no cargo nomeado em regime de substituição, já terá adquirido essa experiência e passará a ter um currículo profissional relevante capaz de o colocar à frente dos outros candidatos que hoje teriam bastante mais hipóteses que ele. Ou seja, não só se colocará hoje uma pessoa sem mérito para tal, como se fabrica artificialmente o mérito que poderá garantir a vitória num futuro concurso.

Tiago Preguiça dificilmente seria escolhido num concurso público aberto e transparente, por não ter experiência relevante.

Muitas pessoas poderão pensar que isto é um crime sem vítimas. Muitos portugueses olham para esta situação e em vez de a condenarem, apreciam a esperteza e, mais do que isso, desejam passar a fazer parte deste esquema. Mas apesar de parecer não ter custos, estas situações têm custos elevados para o país.

Em primeiro lugar, a forma como se gere a causa pública. Quando não escolhemos por mérito, mas sim por ligação partidária, dificilmente teremos boas lideranças na Administração Pública. Mesmo que normalmente ninguém repare que temos maus gestores públicos, os efeitos dessa má liderança tornam-se evidentes em situações de catástrofe ou exposição pública. Em 2017 ninguém teria reparado nas lideranças escolhidas a dedo para a proteção civil se não tivesse acontecido o drama dos incêndios, mas aconteceram e é impossível não pensar no que teria corrido melhor tivessem as lideranças sido escolhidas de outra forma. O mesmo durante a pandemia. Mas isto são apenas situações em que os fracassos se tornam públicos e escrutinados. Não é difícil imaginar o que acontece por este país fora nas várias funções de liderança na administração pública em que o escrutínio e a transparência não são tão mediáticos.

Em segundo lugar, pelos incentivos que dá à população e aos jovens em geral. Sabendo que é muito mais fácil chegar longe na vida envolvendo-se na política partidária do que estudando e construindo uma carreira, muitos optarão pela primeira opção, sacrificando a sua formação. Aqueles que ainda assim optarem por se formar, ter carreiras profissionais fora da política, chegarão rapidamente à conclusão de que Portugal não é para eles. Muitos abandonarão o país. Outros ficarão, mas desmotivados e sem colocarem todo o seu potencial ao serviço do país. Para um país onde se fala tanto de investimento na educação, abdicar assim de tanto talento é criminoso.

A esperteza de nomear amigos para cargos de liderança na administração central não é um crime sem vítimas. É um crime com muitas vítimas, começando por todos aqueles que precisam dos serviços públicos mal geridos e acabando em todos aqueles que poderiam ter acesso a essas posições de liderança por mérito e acabam arrastando-se por posições inferiores apenas por não terem o cartão partidário certo. Um drama para o país que se arrasta há demasiado tempo.

Carlos Guimarães Pinto
Economista / Professor Universitário