Espinho como Nova Iorque

Com a implantação da República em 5 de outubro de 1910, havia que eliminar os vestígios da herança monárquica. Em Espinho, os nomes das ruas foram apagados pela voragem revolucionária. E ficaram os números.

É uma das principais curiosidades da cidade de Espinho, cujas ruas estão identificadas por números e não por nomes, ao contrário do que é habitual em quase todas as cidades e vilas portuguesas. Por isso, não raramente, ouvem-se naturais e residentes locais a lembrar que “Espinho é como Nova Iorque”, numa indisfarçável alusão orgulhosa a Manhattan. Mas, na verdade, muitos desses espinhenses desconhecem a explicação (ou as explicações com fundamento histórico) para tão invulgar “toponímia”.

Eu próprio, confesso-vos, andei durante imensos anos sem saber rigorosamente porque era assim. Até que resolvi averiguar, entre os meus conterrâneos, quem poderia ter a resposta mais assertiva e rigorosa – e fui remetido para o meu antigo “professor do Ciclo” António José Teixeira Lopes (dos velhos tempos em que a Escola Preparatória Sá Couto funcionava num edifício da Rua 32), o meu amigo “TL”, Mestre em História Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

“Ouvem-se naturais e residentes locais a lembrar que ‘Espinho é como Nova Iorque’, numa indisfarçável alusão orgulhosa a Manhattan. Mas, na verdade, muitos desses espinhenses desconhecem a explicação (ou as explicações com fundamento histórico) para tão invulgar toponímia.”

Como em quase tudo na vida, depois de sabermos as coisas tudo parece simples, plausível e evidente. Antes de 1899, a praia de Espinho pertencia à atual freguesia de Anta que, por sua vez, dependia administrativamente do concelho vizinho da Feira, a então designada Vila da Feira. Por essa razão, coube à sede de concelho – o atual município de Santa Maria da Feira – a atribuição de alguns nomes às ruas da praia de Espinho.

Com a elevação de Espinho a concelho nos alvores do século XX, e como os anteriores nomes das ruas estavam relacionados com personalidades ou factos da Vila da Feira, a comissão então encarregue de atribuir novas designações às ruas optou por homenagear membros do Governo, deputados da Nação, promotores da autonomia espinhense, membros da família real (pois ainda vivíamos numa Monarquia) e também os engenheiros que foram autores das primeiras plantas de Espinho.

Todavia, a mudança de regime não tardou a chegar. Com a implantação da República em 5 de outubro de 1910, havia que apagar rapidamente os vestígios da herança monárquica. Sem mais delongas, na ata da reunião da Câmara Municipal de Espinho referente a 20 de Outubro de 1910 – apenas duas semanas volvidas sobre a Proclamação da República – ficamos a saber que os empregados dos Serviços de Correio e Telégrafos de Espinho solicitaram à Comissão Administrativa presidida por Joaquim Pinto Coelho, um republicano convicto, que fossem reavivados os números das portas apagados e “que se colocassem os números das portas em falta”.

O então Presidente da Câmara de Espinho quis ir ainda mais longe e aproveitou a oportunidade para sugerir, pura e simplesmente, a substituição de diversos nomes de ruas ligados ao regime deposto em 5 de outubro. A proposta foi aprovada por unanimidade. E, volvidos poucos meses, a 5 de janeiro de 1911, a comissão nomeada para proceder à substituição dos nomes das ruas de Espinho apresentou a sua proposta final, que assentava numa lógica que perdura até aos dias de hoje: as ruas e avenidas perpendiculares ao mar teriam números ímpares (de forma crescente de norte para sul, números 1, 3, 5, 7, 9, e assim sucessivamente) e as paralelas ao mar teriam números pares (de forma crescente do mar para Nascente, números 2, 4, 6, 8, 10, e assim sucessivamente) – mantendo-se complementarmente, sem sucesso comprovado, alguns dos antigos nomes. Mas esse hábito deixou de ser utilizado com o passar do tempo.

Em outubro de 1948, o executivo municipal voltou a insistir na atribuição de nomes às ruas, a pretexto da comemoração, no ano seguinte, do meio século da criação do concelho. A ideia era batizar as artérias espinhenses com nomes que tivessem contribuído para o engrandecimento do concelho. Em vão, uma vez mais, com a lógica (e o hábito) das ruas numeradas a imperar.

De algum modo, pode afirmar-se que a numeração das ruas em Espinho tornou-se perene porque era mais fiel ao princípio da igualdade tão caro aos republicanos – mas também porque a malha urbana da terra, uma espécie de território quadriculado, facilitou a opção pelos números na designação das artérias.

Após a Revolução do 25 de abril de 1974, a vereação municipal reunida a 4 de julho desse mesmo ano aprovou um voto de pesar pelo falecimento do escritor Ferreira de Castro, que assim passaria a ter o seu nome inscrito na placa toponímica da rua 18. A verdade é que também a Rua 18 continua a ser… a Rua 18. Com número e não com nome, por muito que se goste de Ferreira de Castro. Em Espinho, no que diz respeito a ruas numeradas, “o que tem de ser tem muita força”.

A minha dica:
Porque entendo que o espírito de partilha é gratificante, reservarei sempre a parte final destas minhas crónicas na Defesa de Espinho para uma dica ou sugestão nas mais diversas áreas – do lazer, da cultura ou do agora denominado ”lifestyle”. Esta semana, não poderia deixar e destacar o lançamento de mais um volume dos “Cadernos de Espinho”, no sábado, dedicado ao tema “Espinho Cultural”.

Nem de propósito, no dia seguinte, domingo, pelas 17h00 – também no Auditório da Junta de Freguesia de Espinho – a música está de regresso após um longo confinamento. Trata-se de um concerto muito especial (especialmente para mim, passe a redundância) de um Trio de Cordas que integra o meu filho mais velho, o violinista Tomás Costa, que nos últimos anos tem desenvolvido a sua atividade na Orquestra Gulbenkian.

Os bilhetes para este concerto “comentado” do Ensemble Syndesi (Tomás Costa – violino, Leonor Fleming – viola d’arco, Pedro Serra e Silva – violoncelo) em que serão interpretadas obras de Beethoven e de Dohnányi, podem ser adquiridos ao preço (muito) acessível de 10 euros no balcão da Junta de Freguesia de Espinho e na Cafetaria Conde. Um pequeno estímulo para músicos de grande nível que integram um dos setores profissionais mais afetados pela pandemia que nos tem atormentado desde março do ano passado.

Luís Costa
Jornalista