Porque sobe o preço dos combustíveis?

O preço dos combustíveis não para de subir nas últimas semanas. No preciso momento em que tantos portugueses voltavam a sair de casa, com vontade de aproveitar o que os meses de Inverno (e pandemia) não tinham permitido, o preço dos combustíveis serve de entrave a essas aspirações. É natural nestas fases que os consumidores olhem para os donos dos postos de combustível como os principais culpados. Instintivamente, a culpa destas subidas acaba sempre naqueles que dão a cara por elas, ou seja, aqueles que vendem os combustíveis aos consumidores. Mas será mesmo assim? Será o preço elevado dos combustíveis o resultado da ganância e mesquinhez dos vendedores de combustível?

Vamos aos factos. A 28 de junho passado, de acordo com a Apetro, o preço médio do gasóleo rodoviário era de 1,448 €/litro. Deste valor, 0,428€ correspondia ao preço do petróleo, algo que está fora do nosso alcance mudar. Em cima deste valor referente ao petróleo, acresce o preço do biocombustível que é obrigatório incluir nos combustíveis. Isso adiciona 0,10€/litro ao preço do gasóleo. Excluindo as componentes da matéria-prima (petróleo e biocombustível) ainda assim sobra 0,92€/litro. É esta a margem entre o custo das matérias-primas e o preço final ao consumidor.

Quem fica então com esta margem? Estarão os postos de combustível a ganhar 92 cêntimos por cada litro de combustível que vendem? Nada mais errado. Na realidade, destes 92 cêntimos de diferença entre custo das matérias-primas, cerca de 85% (leram bem, 85%), vai para o estado sob a forma de impostos. Os revendedores de combustível ficam com menos de 15% desta margem, ou seja, 0,136€/litro. Daqueles 1,448€, menos de 10% ficam com o revendedor de combustível (que, note-se também terá depois que pagar IRC sobre essa margem). E este é um preço médio. Como qualquer pessoa que seja mais sensível ao preço saberá, há postos de combustível que cobram menos do que este valor médio, o que quer dizer que, nesses postos de combustível, os revendedores chegam a ganhar menos de 7-8 cêntimos por litro vendido.

Isto quer dizer uma coisa muito simples: os revendedores de combustível não teriam qualquer margem para influenciar grandes subidas (ou descidas) nos preços. Mesmo que abdicassem de toda a sua margem, o preço do gasóleo continuaria acima de 1,30€/litro. Mas, como é óbvio, ninguém trabalha de borla e, se abdicassem da margem, deixariam de ter incentivos a vender ou dinheiro para pagar aos funcionários.

Portugal tem a quarta gasolina mais cara da Europa e o sexto gasóleo. Se ajustarmos pelos rendimentos dos países, a situação seria ainda pior. Boa parte dessa diferença resulta de uma carga fiscal mais elevada. Dos 13 cêntimos de diferença no custo da gasolina em Portugal em relação à média da União europeia, 10 cêntimos devem-se à carga fiscal sobre os combustíveis. Em relação a Espanha, Portugal até tem uma gasolina mais barata de cerca de 1 cêntimo por litro antes de impostos. Mas com os impostos, a gasolina em Portugal torna-se 25 cêntimos mais cara por litro do que em Espanha. Uma diferença gigante.

Portugal tem a quarta gasolina mais cara da Europa e o sexto gasóleo. Se ajustarmos pelos rendimentos dos países, a situação seria ainda pior.(…) Em relação a Espanha, Portugal até tem uma gasolina mais barata de cerca de 1 cêntimo por litro antes de impostos. Mas com os impostos, a gasolina em Portugal torna-se 25 cêntimos mais cara por litro do que em Espanha. Uma diferença gigante.

A carga fiscal divide-se em duas partes. Uma parte fixa correspondente ao ISP e uma parte variável, correspondendo ao IVA. A parte fixa não responde a variações do petróleo e por isso não tem efeito nas subidas do preço. No entanto, a parte variável tem o efeito perverso de acelerar as subidas nos combustíveis. Cada vez que o preço do petróleo sobe, os consumidores de combustíveis sofrem de duas formas. Por um lado, o preço antes de impostos sobe por via da subida do preço do petróleo. Por outro lado, a carga fiscal também aumenta porque é aplicada sobre um preço superior. A carga fiscal não só é responsável por termos sempre preços superiores ao resto da Europa como faz com que qualquer subida do preço do petróleo se faça sentir mais do que proporcionalmente. No fundo, o estado fica a ganhar cada vez que o preço do petróleo sobe porque pode cobrar mais IVA sobre o produto final de algo que nem sequer é produzido aqui.

Depois vem a ironia final. Quando o preço do petróleo sobe, o preço dos combustíveis antes de impostos tem que subir, fazendo subir também a carga fiscal. Neste cenário em que o preço final sobe por todos estes efeitos, muitos revendedores optam por reduzir as suas margens para reduzir o aumento do preço final e manter clientes (e, não podemos ser ingénuos, podem fazer o oposto quando o preço do petróleo desce). Ao mesmo tempo que são acusados de ganância e usura pelos consumidores devido a um aumento de preços pelo qual não têm responsabilidades, é precisamente nesta fase que têm mais incentivos a reduzir as margens, ou seja, é em fase de aumentos de preços de combustíveis que muitas vezes os revendedores fazem menos dinheiro. Como diria o saudoso Fernando Pessa: e esta, hein?

Carlos Guimarães Pinto
Economista / Professor Universitário