O “patriotismo local” de que Espinho necessita

Tenho um especial fascínio democrático – e profundo respeito cidadão – pelo poder local, que acompanho de perto desde os meus primórdios profissionais, aqui em Espinho, ainda no “Maré Viva” de finais dos anos 70, ao tempo em que pontificavam na autarquia espinhense nomes referenciais como Artur Bártolo, José Fonseca, António Gaio ou Alfredo Casal Ribeiro.

O meu apreço pelo poder local consolidou-se nos meus tempos de Coimbra, a partir de 1982, na antiga Agência ANOP e depois na Agência Lusa, quando Mendes Silva era presidente da Câmara e Manuel Machado, atual líder do município, era um dos mais destacados vereadores. O facto de Coimbra albergar a sede da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) permitiu-me conhecer ainda mais profundamente o universo do poder local e dos seus principais protagonistas, como Mário de Almeida, Narciso Miranda, Artur Torres Pereira ou Jaime Marta Soares.

Depois, a partir de 1987, já a trabalhar no Porto, no semanário Expresso, privei com autarcas ilustres como Helena Medina (mãe do atual presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina), Oliveira Dias (que acompanhei na célebre “guerra das tarifas” que opôs a Câmara do Porto à todo-poderosa e monopolista EDP), Castro Fernandes ou Fernando Cabral.

A partir de 1990, no jornal PÚBLICO, a minha ligação afetiva a este mundo das autarquias e da “política de proximidade” levou-me, com naturalidade, a assumir durante sete anos a editoria do caderno Local Porto, de que guardo especiais memórias de protagonistas como Fernando Gomes, Gomes Fernandes, Orlando Gaspar, Vieira de Carvalho, Luís Filipe Meneses ou Guilherme Pinto.

Tive sempre excelentes relações pessoais e profissionais com todos os nomes que acabei de citar? Não, nem por sombras. Houve mesmo períodos e momentos de grande tensão, como é suposto acontecer na relação séria que deve existir entre quem é jornalista e quem exerce cargos políticos. Mas sempre me incomodou (e irritou solenemente) a generalizada má fama do poder local e dos nossos autarcas, num discurso assente, grande parte das vezes, em lógicas de fervor centralista pouco recomendáveis e limitadamente democráticas.

Talvez por isso, ficou-me na memória o discurso de Trinidad Jiménez, candidata do PSOE ao “ayuntamento” de Madrid, em 2003, que anos mais tarde iria destacar-se como ministra espanhola dos Negócios Estrangeiros. Jiménez perdeu as eleições municipais, mas foi dela o “statement” que perdurou no tempo quanto ao objetivo central de qualquer política autárquica – seja na capital de Espanha ou noutra qualquer cidade que pretenda afirmar-se como um espaço compartilhado por quem nela vive. Em sua opinião, só o poder local (dada a maior proximidade entre eleitos e eleitores) dispõe das condições necessárias “para explorar novas formas de participação que completem e ampliem a ida periódica às urnas”. Trinidad Jiménez defendia este ponto de vista não para desresponsabilizar quem foi eleito, mas para que os cidadãos “deixem de ser meros administrados passivos e se convertam em autênticos corresponsáveis na resolução dos problemas da cidade”.

Mas como é que esse desiderato se pode alcançar? Criando um gabinete do munícipe? Fazendo um “site” na Internet? Organizando visitas guiadas aos Paços do Concelho? Montando exposições vistosas sobre os principais projetos do município? Desculpem-me a ironia, mas não, claro que não é assim que se contraria a prática – ultrapassada no tempo e no modo – daqueles que defendem “a natureza iminentemente técnica das grandes decisões que afetam as cidades”, reduzindo tudo, ou praticamente tudo, a “assuntos de mera gestão”. Para mobilizar os cidadãos para as causas comuns, de modo a que as pessoas as sintam como suas, é essencial uma prática política assente numa estratégia de reforço da identidade coletiva que procure estabelecer consensos internos em torno de grandes objetivos, de grandes ideias, de grandes projetos, de grandes desafios, de grandes instituições locais. A esta forma de estar e de atuar na dimensão política autárquica corresponde uma atitude que Trinidad Jiménez definiu, de forma notável e apropriada, como “patriotismo local”.

“Quando estamos a escassas semanas das eleições autárquicas, pareceu-me oportuno recordar os ensinamentos de Trinidad Jiménez, candidata derrotada ao “ayuntamento” de Madrid em 2003, que anos mais tarde viria a ser ministra espanhola dos Negócios Estrangeiros”

Sinceramente, desejo que os nossos próximos representantes autárquicos, sejam eles quais forem, se mostrem capazes de interpretar a justa medida do “patriotismo local” de que Espinho necessita – e de que anda arredado, há demasiados anos, por culpa dos próprios espinhenses. Ou seja, por culpa de todos nós.

A MINHA DICA – Porque entendo que o espírito de partilha é gratificante, reservo a parte final destas minhas crónicas na Defesa de Espinho para uma dica ou sugestão nas mais diversas áreas. Em tempos de Netflix, HBO, Amazon e outras plataformas de “streaming”, chamo a vossa atenção para as muito reconhecidas (mas nem sempre muito vistas) séries de grande qualidade que são emitidas na RTP2. Mérito da minha amiga Teresa Paixão, desde há alguns anos diretora do segundo canal da RTP. Por ali têm passado séries magníficas de origem europeia, designadamente do Reino Unido, da Dinamarca, da Noruega, da Bélgica, da Finlândia, da Alemanha ou de França. Depois de “A Travessia”, extraordinária série norueguesa que terminou esta semana, começou no mesmo horário (22h00) o “Último Tango em Halifax”, produção da BBC. Trata-se da fantástica história de Alan e Celia, namorados de infância, ambos viúvos e na casa dos 70 anos, que se apaixonam quando se reencontram passadas seis décadas. Uma série de 6 episódios que celebra o poder do amor em qualquer idade.