Notas soltas sobre as eleições autárquicas

Acredito piamente nesta velha máxima: não há segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão. Na noite das últimas autárquicas, uma daquelas noites eleitorais como não se via há muito, entrando pela madrugada adentro com indefinição quanto aos resultados, mais convicto fiquei de que é mesmo assim.” Ainda com resultados imberbes, quando havia apenas sondagens à boca das urnas e escassos resultados das mais pequenas e recônditas freguesias do país, já era enorme o corrupio de políticos e porta-vozes partidários nas diferentes emissões televisivas que asseguravam a cobertura da noite eleitoral. O objetivo era claro: passar a mensagem de que o resultado teve determinada inclinação ou tendência – mesmo não havendo, em bom rigor, nenhum resultado concreto para interpretar. E o receio era óbvio: evitar que os resultados, quando fossem conhecidos, manchassem a declaração de otimismo feita anteriormente. Não há mesmo segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão.

Entre “vitórias de Pirro” e “derrotas excelentes”– e excetuando o caso primordial e simbólico da Câmara de Lisboa, que foi sem dúvida a grande “breaking news” da noite eleitoral –, verifica-se que o PSD ganhou mais câmaras municipais ao PS do que vice-versa, mas quase todas elas são de expressão eleitoral pouco significativa num contexto de futuras eleições legislativas, à exceção de Barcelos, Coimbra ou Funchal. Rui Rio pode estar feliz, mas não pode estar contente.

O caso da Câmara de Lisboa não deve iludir Rui Rio nem enganar António Costa. Moedas ganhou o município porque nas autarquias não pode haver geringonças; porque – acautelando isso mesmo – o ex-comissário europeu federou previamente os votos do seu espaço político, enquanto PS, PCP e Bloco de Esquerda concorreram separadamente; porque não houve voto útil na candidatura socialista (basta ver os resultados de PCP e BE); e porque milhares de eleitores de Medina, vítimas da arrogância de quem achava que a vitória estava “no papo”, nem sequer se deram ao “trabalho” de ir votar.

Mais do que tudo, a vitória inesperada de Carlos Moedas na Câmara de Lisboa acentuou a perceção generalizada do que as eleições autárquicas correram bem ao PSD. Ou que, pelo menos, não correram tão mal como se antevia. O mesmo pode dizer-se do CDS-PP, que até aguentou as seis presidências de câmara que já detinha anteriormente.

Acresce que a Lei de Murphy parece ter-se abatido sobre António Costa na semana pós-eleitoral, com destaque para a trapalhada da substituição do Chefe do Estado-Maior da Armada. Mas a semana “horribilis” do primeiro-ministro foi sol de pouca dura, uma vez que a perceção favorável aos partidos liderados por Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos não tardou a ser ensombrada por movimentações internas de contestação às respetivas lideranças – no caso do PSD, polarizadas em Paulo Rangel; no caso do CDS-PP, protagonizadas por Nuno Melo e pelos “deserdados” de Paulo Portas. É caso para dizer que António Costa não é apenas um político hábil e calejado; tem imensa sorte com a oposição que lha saiu na rifa.

“Os líderes dos maiores partidos portugueses, ps e psd, AINDA TÊM MUITO QUE REFLETIR E ESMIUÇAR A PROPÓSITO DAS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS. rui rio tem de descer à terra e constatar que, afinal, o seu psd ainda está a centenas de milhar de votos de diferença dos socialistas. e antónio costa precisa de baixar os seus níveis de autoconfiança que, não raras vezes, roça a soberba, suportado pela crença inabalável nos milhões da “bazuca” europeia que o levaram a fazer a campanha autárquica mais “cavaquista” de que há memória num primeiro-ministro”

Os líderes dos maiores partidos portugueses, PS e PSD, ainda têm muito que refletir e esmiuçar a propósito das eleições autárquicas. Rui Rio tem de descer à terra e constatar que, afinal, o seu PSD ainda está a centenas de milhar de votos de diferença dos socialistas. E António Costa precisa de baixar os seus níveis de autoconfiança que, não raras vezes, roça a soberba, suportado pela crença inabalável nos milhões da “bazuca” europeia que o levaram a fazer a campanha autárquica mais “cavaquista” de que há memória num primeiro-ministro. Depois de Cavaco, claro está.

Em Portugal, o número de candidaturas independentes bem-sucedidas nas urnas continua a crescer em eleições autárquicas, mas ainda são poucos, muito poucos, aqueles que podem dizer-se genuinamente independentes – de que Rui Moreira, no Porto, é exemplo maior. A esmagadora maioria dos candidatos independentes são, afinal, ressabiados com o seu próprio partido (ou ex-partido, melhor dizendo). A verdade é que, numa contabilização nacional destas eleições autárquicas, o número de “independentes” eleitos para as câmaras municipais ficou em quinto lugar – ou seja, acima do Bloco de Esquerda e do Chega.

Estas eleições mostraram, mais do que nunca, um Bloco de Esquerda sem expressão autárquica. Com apenas quatro vereadores eleitos em todo o país (!), tivemos a plena confirmação de que o Bloco de Esquerda é uma força política insignificante no poder local, mas que beneficia de uma clara sobre-exposição mediática em comparação com a sua real penetração no tecido social do país. Tem “boa imprensa”, como costuma dizer-se.

O Chega de André Ventura não “chegou” a cumprir os objetivos a que se propunha o seu truculento líder. Não conseguiu nenhuma Câmara Municipal e nem o próprio logrou alcançar a almejada liderança da Assembleia Municipal de Moura – à qual se candidatou como cabeça de lista depois de ter conseguido em Moura, nas Presidenciais de janeiro, cerca de 30 por cento dos votos. A verdade é que o seu partido elegeu 19 vereadores em todo o país – o que, não sendo extraordinário, não pode (nem deve) ser desvalorizado.

Em Espinho, o PS reconquistou a presidência da Câmara Municipal que já foi sua com Artur Bártolo e José Mota. Aparentemente, Miguel Reis beneficiou da erosão do seu principal adversário, Vicente Pinto (que surgiu sempre demasiado colado à gestão cessante), mas também por transmitir a imagem de um candidato sem anticorpos, sem esqueletos no armário, afável e discreto, mas determinado e seguro das suas propostas, mesmo das que são menos exequíveis. De algum modo, em Lisboa sucedeu o mesmo, mas com inversão de papéis entre PS e PSD.

A fechar, renovo o voto que formulei na minha última crónica, ainda antes das eleições
autárquicas: que os nossos autarcas eleitos, nos quais se incluem os meus especiais amigos José Carvalhinho, vencedor das eleições para a Assembleia Municipal, e Vasco Alves Ribeiro, vencedor das eleições para a Junta de Freguesia de Espinho – amigos que aproveito para saudar publicamente – se mostrem capazes de interpretar a justa medida do “patriotismo local” de que Espinho necessita. Um “patriotismo local” que se traduza na definição de um desígnio coletivo, de capacidade de afirmação social e económica, de dinamismo cultural, de uma profunda renovação demográfica, de uma missão claramente definida, de objetivos estratégicos enquanto polo litoral privilegiado do Grande Porto – uma vantagem competitiva que temos em relação a Vila Nova de Gaia, cujo centro urbano fica a quilómetros da orla marítima.

Luís Costa
Jornalista