A nossa casa

Será que a nossa casa ganhou outra dimensão desde que vivemos a recente e dolorosa experiência provocada pela pandemia? Será que já alguma vez refletimos devidamente sobre a nossa casa e o seu significado?

“A nossa casa é nosso refúgio. Remete-nos às nossas raízes. É bem mais que o lugar em que moramos. Um aconchego onde procuramos a paz uterina que um dia tivemos. Uma segurança só nossa e, não importa como ela seja, quando abrimos a porta – estamos em casa. Sensação insubstituível” – Luiza Gosuen.

A psicanálise de Freud a Winnicott tem-nos fornecido imensos conceitos onde a casa se apresenta como fazendo parte do nosso imaginário e onde a primeira ideia de casa aparece associada à herança, às memórias e à afetividade, com estreita ligação à infância. Outra, é a casa-identidade, que se projeta no tempo presente, local de segurança e pertença. Outra ainda, a casa-promessa, que se prende com a noção de promessa ou esperança, ou seja, a casa idealizada nos nossos sonhos e que reflita a nossa plena realização.

Depois desta breve reflexão e da definição da psicóloga, Luiza Gosuen, sendo esta talvez a que tem mais representação no pensamento coletivo, evoco a pergunta de Tolentino Mendonça, teólogo e poeta: – Onde é a nossa casa?
Com esta questão que lança para reflexão, remete-nos para Albert Camus, filósofo e escritor que a refere como a mais premente do nosso tempo: cada homem deve descobrir onde é a sua casa!

Parece estranha esta questão quando aparentemente não temos dúvidas, porque sabemos para onde voltar ao final do dia, todos os dias, de forma rotineira, em busca do nosso repouso, nosso refúgio, como que se tratasse de um ninho ou de uma concha que nos aguarda e nos guarda. Sabemos que, ao entrar nela, estaremos protegidos numa relação perfeita: ela e nós, somos só um.
Tolentino Mendonça vai mais longe e, perante esta pergunta que parece ser sem resposta senão aquela que todos temos em mente, diz-nos que, às vezes, não vemos de imediato, mas que a vida vai encarregar-se de nos dar respostas, mesmo sem nos apercebermos.

Concluiu que o repto de Camus significava algo de mais essencial: “Cada pessoa não tem apenas a tarefa de descobrir uma habitação. Cada pessoa tem o irrecusável dever de descobrir-se, vivendo com paixão e sabedoria a construção de si, esse processo que, por definição, está em aberto e que ao longo da existência se vai efetivando. Nós somos a nossa casa.”

Assim, ao encontramo-nos, encontramos a nossa casa! Nada mais perfeito para retratar esta nossa procura e encontro como esta citação de Albert Camus: “No meio de um inverno, finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível.”
E para que a incessante procura da nossa casa, com este sentido mais lato, seja uma caminhada guiada por poesia, deixo este maravilhoso poema de Tolentino Mendonça (“in “A noite abre meus olhos”).

“A casa
Esta casa é a tua casa
quanto ao que permanece
nem sei que dizer
tanto me feriu a
insignificância do mundo
a relativa veracidade concedida aos lírios
minhas habilidades inexperientes
a obscuridade brilha para lá
da própria enseada”

Arcelina Santiago
Professora