Nelson Couto nasceu em Nova Lisboa [Huambo], em Angola, em 1961. Em 1975, com o processo de descolonização, veio para Espinho, a terra de origem da sua família, dos seus avós maternos. Era uma terra que já conhecia, desde os seus três anos de idade, quando vinha passar férias à ‘metrópole’. Mais tarde enveredou pela carreira de oficial da Guarda Nacional Republicana (GNR), tendo sido comandante territorial de Aveiro antes de passar à reserva, aos 58 anos de idade. Foi membro de associações de pais e, até, juiz social em processos de adoção de crianças e teve em mãos algumas complicadas operações policiais, como o encerramento das minas do Pejão.
Como foi a sua vinda para a cidade de Espinho?
Os meus avós, num período muito parecido com o que vivemos na atualidade, tiveram de ir para África. O meu avô foi um dos percursores do caminho-de-ferro de Benguela. Os meus pais nasceram lá, assim como eu. Venho para cá num papel muito difícil, uma vez que com aquela idade [14 anos] já era um angolano puro e, por uma questão de cor era conotado com os colonos. Em Portugal estava a ser um refugiado e era conotado com os retornados. Esta assimilação não foi nada fácil para aquelas pessoas que tiveram de regressar, naquela altura, a Portugal. Por isso, a integração não foi fácil. Houve uma clivagem muito grande entre os retornados e a sociedade portuguesa. E no início, este processo não foi pacífico e vi-me envolvido em situações que nunca pensei que me iria envolver. Era um menino da classe média em Angola, habituado a algum conforto e vi-me na contingência de pessoas e amigos terem de me dar roupa para vestir.
Veio com 14 anos e prosseguiu cá os seus estudos…
Na altura estava a iniciar o quinto ano [atual nono ano], fui inaugurar a nova Escola Dr. Manuel Laranjeira e andei lá até ao sétimo ano [11.º ano]. A situação era tão confusa a tal ponto que um mês antes dos exames ainda não tínhamos livros para estudar! E isto acabou, com certeza, por me prejudicar. Por outro lado, viveram-se momentos estudantis muito agitados.
A minha integração na escola foi feita, mas há um episódio que me marca profundamente no acesso à Universidade. Na altura, o meu pai não tinha a situação profissional resolvida e, por isso, não tinha grande capacidade financeira. Quando desencadeei o processo de candidatura a uma bolsa de estudo, a assistente social disse-me que, infelizmente, perante as condições que apresentava não reunia condições para frequentar o ensino universitário! Isto marcou-me profundamente e foi lamentável. Felizmente que a sociedade mudou.
Como resolveu essa situação?
Na realidade não entrei para Medicina por duas décimas e apanhei aquele processo complicado dos anos propedêuticos e anos cívicos que afetaram o ensino. Considero que foi um erro meu ter optado por entrar para o curso de Engenharia Eletrotécnica. Não me adaptei a essa área.
E acabou por deixar a Universidade?
Fui chamado para cumprir o serviço militar obrigatório. Nas minhas provas de admissão até cheguei a ser escolhido para o curso de oficial dos fuzileiros, mas verifiquei que não era aquilo que pretendia. Depois, fiz o Curso Geral de Milicianos e, no final, fui escolhido para frequentar o Curso de Oficiais. Esta foi a minha entrada na vida das fardas. Fiz este curso em Mafra, na Escola Prática de Infantaria onde fui o segundo classificado e, depois, fui colocado em Chaves. Optei, no final, por permanecer no Exército como contratado e fui transferido para Castelo Branco. Nessa altura, iniciou-se um processo de recrutamento quer para a GNR, quer para a Guarda Fiscal. O próprio comandante do Regimento de Infantaria aconselhou-me a optar por esta saída profissional, uma vez que estavam a iniciar nestas duas forças uma nova carreira para oficiais.
Na altura, também tinha concorrido à Caixa Geral dos Depósitos (CGD) e à GNR e Guarda Fiscal. Fui às provas na GNR e fiquei apto, mas permaneci como suplente. Não me identifiquei com a Guarda Fiscal e optei por não me recandidatar à GNR. Dois dias depois também soube que tinha sido admitido à CGD. Depois fui convidado a ser docente na Escola da GNR em Lisboa, para formar novos guardas e cabos.
Não se arrepende de ter feito esta escolha?
Acho que decidi bem porque sinto-me realizado na carreira que abracei na GNR. Estou bem comigo próprio porque sinto que cumpri a missão, tanto aquilo a que me propus como tudo aquilo que me foi pedido.
Por que razão não permaneceu mais tempo na GNR?
O limite na carreira dos oficiais que entraram para a GNR originários do Exército era o posto de tenente-coronel, ou de coronel, se licenciado. Por isso, para poder chegar ao topo da carreira, usando o ensino à distância, decidi licenciar-me em História. Já em Aveiro, decidi fazer uma pós-graduação em Segurança, Defesa e Resolução de Conflitos e que era compatível com a minha atividade.
Esteve em Lisboa e a família em Espinho!…
Estive lá durante três anos e fui colocado, depois, na Bela Vista, em Campanhã. Fui nomeado comandante da companhia de instrução de cabos e fui colocado numa companhia de ordem pública. Mas acabei por passar por quase todas as especialidades da GNR. Mais tarde fui, novamente, para Lisboa e frequentei o curso de promoção a capitão e fui colocado em Coimbra. Foi aí que começou a minha grande experiência no terreno. Depois, fui comandar o Destacamento de S. João da Madeira da GNR, que era uma área bastante difícil. Comandei os destacamentos de S. Maria da Feira, Ovar e Oliveira de Azeméis. Coincidindo com a minha promoção a major, foram atribuídas mais competências à GNR e foi criado o Serviço de Investigação Criminal (SIC). Como tinha um bom conhecimento da parte mais a norte do Distrito de Aveiro, fui convidado a criar a SIC do Grupo de S. João da Madeira, que muito veio a ajudar no combate à criminalidade.
O seu trabalho foi reconhecido?
Todos gostamos de ver o nosso trabalho reconhecido e, por isso, recebi a Medalha de Prata de Serviços Distintos pelo desempenho na área da investigação criminal.
Em Aveiro, como tenente-coronel, fui comandar a secção de operações e, mais tarde, acumulei as funções de segundo comandante territorial. Em 2016 o comandante de Aveiro saiu e fui convidado a comandar o Comando Territorial de Aveiro. Fiquei com uma responsabilidade enorme, com cerca de 1200 elementos e um distrito muito complicado, talvez o terceiro no país.
Sempre houve uma boa relação entre as unidades que comandou e as várias forças de segurança?
Sempre tentei patrocinar um bom entendimento de forma a não haver guerras entre forças de segurança. O povo quer é que todos lutemos contra a criminalidade e pela paz e segurança pública. Sempre tive excelentes relações de trabalho quer com a PSP, quer com a PJ e em Aveiro, até a Polícia Marítima. E agora, estando na reserva, como cidadão de Espinho, muitas das vezes, pedem-me algumas opiniões como cidadão. Talvez tenha sido esta boa relação que sempre tive com as várias forças de segurança que tenha levado à minha escolha, na altura, para comandante Territorial de Aveiro da GNR. Aliás, sempre me relacionei bem com as próprias entidades administrativas, a tal ponto que no Distrito da Aveiro era onde havia mais câmaras municipais a patrocinarem, por exemplo, o nosso serviço da Escola Segura.
Passou à reserva aos 58 anos. Não terá sido cedo demais?
Essa é a idade-limite para o posto de coronel. Atingi o topo da carreira. A nova geração de oficiais já poderá chegar a general. Sinto muito orgulho do meu percurso na GNR e sinto, também, que nós viemos preparar o caminho para a nova geração. Prevejo que dentro de muito poucos anos, a GNR passe a ser gerida só por oficiais que fizeram toda a sua carreira nesta força de segurança. A perceção da segurança e das necessidades são bases que se adquirem com uma carreira na própria GNR.
Houve alguma distinção que o tenha marcado?
Há cerca de dois anos fui surpreendido com uma medalha criada em 2009, cuja atribuição é muito restrita e que constitui a mais alta condecoração de um militar da GNR – a Medalha D. Nuno Álvares Pereira. Foi-me entregue pelo secretário de Estado da Administração Interna e, por isso, sinto-me bem e com perfeita consciência de ter cumprido a minha missão. Sinto que contribuí para que Portugal esteja, ao nível de segurança, num patamar muito elevado. O Distrito de Aveiro, durante estes anos em que ali prestei serviço, esteve sempre num dos lugares de topo a nível de segurança. Estando este distrito muito próximo da Área Metropolitana do Porto, é bastante difícil, sobretudo a zona de Santa Maria da Feira. Sempre conseguimos obter resultados operacionais muito bons.
A sua preocupação era a criminalidade no Distrito de Aveiro?
Entrevista completa na edição de 31 de março de 2022. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 30€.