Pobres, não generosos e (in)felizes?

A felicidade desempenha de forma crescente, desde tempos imemoriais aos mais recentes, um tema central na utopia da humanidade, dos indivíduos, comunidades e sociedades na satisfação individual e colectiva de necessidades, desejos e alcance de bem-estar e plenitude material e imaterial.

Um enorme desafio que sempre se impôs tem sido a (in)capacidade de quantificar ou medir a felicidade. Tem-se assistido, progressivamente, a um aumento notável do interesse da informação, investigação e da procura, individual e colectiva, da felicidade, também como medida de progresso social e de desenvolvimento sustentável: a verdadeira medida de progresso é a felicidade das pessoas.

A felicidade tem assumido um ponto central no debate da evolução das sociedades contemporâneas, evoluindo o sentido da sua consideração como uma medida de desenvolvimento, para além do crescimento económico, da capacidade de geração de rendimentos, do PIB e de outras condições materiais.

O interesse crescente parece corresponder às preocupações das comunidades contemporâneas e das novas gerações, na inclusão da medição do bem-estar imaterial e subjectivo, desempenhando um papel central na orientação e definição dos objectivos de política pública, entre os quais na própria União Europeia, que recomenda aos seus Estados Membros que coloquem o bem-estar e a felicidade dos seus cidadãos e das suas comunidades bem no coração das suas políticas de desenvolvimento que permitam aos seus cidadãos alcançar uma vida melhor, com maior satisfação e bem-estar, ou dito de outra forma, serem felizes.

Deste crescente interesse, a Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável, uma organização criada pela Organização das Nações Unidas, em 2012, e que instituiu o Dia Internacional da Felicidade, que se celebra anualmente a 20 de Março, tem vindo, consistentemente, ao longo da última década a publicar o Relatório da Felicidade Mundial.

Esta organização realiza de forma sistemática dados resultantes de inquéritos realizados a cidadãos de quase 150 países do mundo, determinando as médias nacionais de avaliação de satisfação de vida, que após análise e tratamento estatístico resultam no Relatório da Felicidade Mundial que estabelece um ranking mundial de países consoante as médias nacionais de avaliação de satisfação da vida, ou de felicidade dos cidadãos de cada país.

Analisando dados das séries temporais com mais de dez anos, o Relatório da Felicidade Mundial 2022, evidencia tendências consistentes de médio e longo prazo, assinalando que a média global das avaliações nacionais sobre a satisfação de vida é relativamente estável, mas cuja estabilidade contém em si variações “internas” de médio e longo prazo, traduzidas em aspectos negativos de aumento de stress, preocupações e tristeza e um declínio da “alegria da vida” a longo prazo.

Esta última edição reporta ainda um aumento de insatisfação dç.a vida das novas gerações, e um aumento consistente entre aqueles com idades superiores a 60 anos. De forma positiva, esta última edição constata que no quadro pandémico se assistiu a um crescimento global da benevolência e da generosidade.

O ranking dos países “nos quais os seus cidadãos se sentem mais satisfeitos com as suas vidas” é liderado há cinco anos consecutivos pela Finlândia (7,821 pontos numa escala de 0 a 10). Portugal ocupa um modestíssimo 56º lugar…

O “ranking dos países mais felizes” resulta da média das avaliações nacionais realizadas pelos seus cidadãos (em cada país). No entanto, procurando explicar o que contribuirá para o nível de satisfação e felicidade dos cidadãos dos países, os investigadores identificam seis variáveis chave que contribuirão para explicar as avaliações de bem-estar dos cidadãos de cada país.

As seis variáveis explicativas são: os rendimentos gerados expressos pelo PIB per capita em paridade de poder de compra; a percepção sobre o apoio social /comunitário em caso de alguma dificuldade; a esperança de vida saudável; a percepção sobre a liberdade pessoal sobre as suas escolhas de vida; a generosidade expressa no apoio concedido a organizações e causas sociais; e a percepção sobre a corrupção quer na administração pública quer no sector privado e nos negócios.

O ranking dos países “nos quais os seus cidadãos se sentem mais satisfeitos com as suas vidas” é liderado há cinco anos consecutivos pela Finlândia (7,821 pontos numa escala de 0 a 10). Nas duas posições seguintes encontram-se outros dois países nórdicos: a Dinamarca (7,636) e a Islândia (7,557). Aliás, nas dez primeiras posições encontram-se cinco países nórdicos, entre os quais a Suécia (7º) e a Noruega (8º), para além dos já citados.

Nas dez primeiras posições encontram-se ainda a Suíça (4º), os Países Baixos (5º), o Luxemburgo (6º), Israel (9º) e a Nova Zelândia (10º).

Outros países, tradicionalmente referenciados, ocupam posições mais modestas, como: Alemanha (14º), Canadá (15º), Estados Unidos (16º), Reino Unido (17º), França (20º) e Espanha (29º).

Portugal ocupa um modestíssimo 56º lugar, entre 147 países que constituem o ranking, com uma avaliação média de 6,016 pontos, inferior às avaliações médias nacionais dos países mais desenvolvidos da Europa (EU’27, Reino Unido, Noruega, Islândia e Suíça), à excepção da Grécia (58º) que segue perto de Portugal, e da Bulgária (85º) que tem a avaliação mais baixa no conjunto deste grupo de países.

Tendo em consideração as seis variáveis chave: o rendimento per capita dos países será mais relevante para a avaliação de satisfação no Luxemburgo, Singapura e Irlanda; o apoio social é mais acentuado no contributo para a felicidade na Islândia, Turquemenistão e na República Checa; a esperança de vida saudável terá um maior peso na avaliação de satisfação de vida de países asiáticos como Hong Kong, Japão e Singapura; a percepção sobre a liberdade das escolhas pessoais é mais significativa na satisfação dos cidadãos no Camboja, Finlândia e na Noruega; a generosidade é um sentimento mais preponderante na Indonésia, na Birmânia e na Gâmbia; a baixa percepção sobre a corrupção é mais acentuada em países como Singapura, Finlândia e Dinamarca.

Por seu turno, a satisfação e o bem-estar consubstanciado nas avaliações dos cidadãos portugueses parece ser beneficiado positivamente pela esperança de vida saudável (21º no ranking parcial da variável), pela percepção da liberdade individual (29º), e pelo rendimento económico (38º). O apoio social (54º) parece ter uma avaliação na linha da média das avaliações nacionais.

Em sentido oposto, a satisfação e bem-estar dos portugueses parece ser, sobremaneira, afectada negativamente pela baixa generosidade (142º) e pela elevada percepção da corrupção (127º).

Tito Miguel Pereira
Consultor

Escrito em desacordo ortográfico