Um enorme aumento de receita fiscal

O Orçamento de Estado foi aprovado na generalidade e a maioria absoluta do PS garante que será aprovado em votação final. Em boa verdade, antes de ser aprovado pela Assembleia da República, foi aprovado pelos eleitores. Justiça lhe seja feita, António Costa fez questão de trazer o Orçamento para os debates, dizendo que seria aquele orçamento a ser votado nas eleições de 30 de janeiro.

Embora previsível que pudesse vir a acontecer, a 30 de Janeiro ainda não era claro que iríamos ter a invasão da Ucrânia e um crescimento tão grande da inflação. Ambas as situações deveriam ter tido algum tipo de reflexo nas opções orçamentais, mas é hoje claro que pouco ou nada afectaram as decisões do Governo. O orçamento apresentado em Outubro, que foi plebiscitado em Janeiro é, mais coisas menos coisa, o mesmo que será aprovado em finais de Maio, mais de sete meses depois de ser apresentado e já depois do Mundo ter dado algumas voltas.

Uma das voltas que o mundo deu foi o regresso de altos valores de inflação. Em Abril já se apontou para um nível de inflação acima dos 7%. Isto poderá ser revisto e, até ao final do ano, o valor acabar por descer, mas a confirmar-se isto significa uma enorme perda de poder de compra para quem tiver salários fixos. Para percebermos o que isto significa, em termos práticos é o mesmo que se em 2013 (quando a inflação foi de 0,3%) fosse cortado o subsídio de Natal para todos os trabalhadores.

Politicamente é muito mais fácil a perda de poder de compra via inflação. As pessoas continuam a ver o mesmo valor no recibo de salário, o que esconde o facto de aquele valor não significar a mesma coisa. No entanto, na prática é a mesma coisa. Para quem ganha 1000€ e gasta tudo o que ganha, é indiferente se o seu salário passa para 900€ ou se aquilo que costumava comprar passa a custar 1100€. No final do mês, ficam-lhe a faltar 100€ na mesma. Curiosamente, é mais fácil politicamente para um Governo viver com pessoas a quem faltam 100€ no final do mês, por causa da inflação, do que por causa de uma corte direto no salário.

A inflação ainda traz o benefício de diminuir o peso da dívida pública no PIB, desvalorizando-a e tornando-a mais sustentável, mesmo que não haja grande mérito do Governo nisso.

Carlos Guimarães Pinto

Mais fácil se torna ainda por outro motivo. Alguém que ganhe 1000€ e passe a ganhar (e gastar) 900€ pagará menos impostos e, por isso, o Estado terá menos receitas fiscais. Pelo contrário, com o aumento do nível geral de preços, o Estado consegue arrecadar mais impostos, aumentando as receitas fiscais. Quando um cabaz que custava 1000€ passa a custar 1100€, o Estado passa a arrecadar mais 10% de receitas de IVA para o mesmo cabaz. A inflação ainda traz o benefício de diminuir o peso da dívida pública no PIB, desvalorizando-a e tornando-a mais sustentável, mesmo que não haja grande mérito do Governo nisso.

Sem grandes surpresas, teremos este ano a maior receita fiscal de sempre. Em 2021, apesar de Portugal ainda não ter recuperado dos níveis de desenvolvimento económico de 2019, a receita fiscal já terá regressado aos valores desse ano. Em 2022 bateremos o recorde, ficando próximos de, em valores nominais, duplicarmos a receita fiscal desde o princípio do século. Serão mais três mil milhões de euros em 2022 do que em 2021. Isto sem contar ainda com o potencial “bónus” de uma inflação superior ao esperado, que poderá atirar este valor para os quatro mil milhões. Mas a voracidade do Estado vai muito para além disto. Se juntarmos à receita fiscal, todas as restantes receitas (incluindo os fundos do PRR), o Estado português arrecadará em 2022 mais nove mil milhões de euros em receitas do que em 2021. Ultrapassaremos pela primeira vez na história os 100 mil milhões de euros de receitas, mais de 10 mil euros por português, crianças incluídas.

No entanto, apesar deste enorme aumento de receitas, o Governo mostrou-se pouco disponível para aliviar as carteiras dos contribuintes. Perante uma proposta da Iniciativa Liberal de reduzir as taxas de IRS para os escalões mais baixos (escalões onde ficam as pessoas que ganham menos de metade de um salário de um deputado), o Governo afirmou não ter cabimento orçamental para suportar essa descida. O Estado é voraz e não aceita qualquer obstáculo que se coloque no caminho de ir buscar mais e mais receita fiscal. Nem o bónus do PRR, nem o bónus da inflação dão ao Governo a boa vontade de reduzir a carga fiscal para quem vê a inflação engolir uma parte importante do seu poder de compra.

O Estado lá vai engordando, enquanto o poder de compra dos contribuintes vai diminuindo. Um processo sem fim à vista.

Carlos Guimarães Pinto

Colunista