Futebol ao sol e à sombra

O título foi roubado a um livro de Eduardo Galeano, que nos mostra como o futebol tem perdido muita magia, muita arte, para se converter num negócio e num imperativo de “ganhar ou ganhar”. Nada mais é permitido. A inocência, então, há muito se afastou das quatro linhas. E foi nas bancadas – e nas secretárias – que se começou por perder.

Isto a propósito do tema óbvio. Não, não é a descida de divisão do nosso Grande Espinho até porque este amor não tem divisão e lá estarei a fazer a festa – sim, sempre a festa, ao sol e à sombra – “seja onde for”. O tema é a alarvidade que se gerou desde então, mais outras pequenas desnecessidades que estão lá sempre. Não estive no Sp. Espinho – Gondomar por causa da covid, mas não devo justificações a ninguém. O meu “espinhismo” (ou lá o que podemos chamar a isto) não é da conta de ninguém e não é com comparações que fazemos algo de útil pelo clube. Vem sempre à baila aquela máxima: “pagas quotas, podes exigir, não pagas, não segues a equipa para todo o lado, está calado”.

E estar presente nos jogos todos também não define o amor ao clube (sejamos adultos, cada um sabe a vida que tem e como ela lhe permite ou não estar no estádio todos os domingos). Insultar jogadores – no estádio e nas redes sociais – pode ser (e é!) definição de muita coisa, mas não será de amor ao clube com certeza. Os jogadores têm que aguentar? Não somos capazes de um argumento menos infantil? Ninguém tem que aguentar ser insultado em lado nenhum na sua vida na mesma medida em que quem paga quotas ou faz quilómetros para ver jogos não tem direito de exigir nem empenho nem “que aguente”. É que a faca pode ter dois ‘legumes’ (já que falamos “futebolês”): os jogadores riram-se para a bancada quando desceram de divisão? Então, os adeptos que aguentem. O respeito não serve só para um lado, e, se fosse mútuo, o futebol conseguia ser das coisinhas mais bonitas do mundo.

Levo melhor o argumento “o futebol torna-me irracional” do que o ar altivo de quem acredita que é possível ter razão quando se discute futebol, principalmente quando o tema é o nosso clube do coração. Não é. E tudo bem, desde que o admitamos. Ninguém nos deve nada. Estamos ali por paixão e é assim, sem cobranças, que as verdadeiras paixões valem a pena.

Portanto, dava jeito que todas as cenas que se terão passado no final do jogo que ditou a descida, todos os valentões que resolveram entrar em campo para mostrar, de forma violenta, o seu descontentamento, todos os insultos nas redes sociais ficassem para trás. Os jogadores erraram ao “provocar”? Quero lá saber, esses não são o meu Espinho. Nós, deste lado, também representamos o clube, somos a imagem da dita raça vareira. Algum discernimento precisa-se se queremos, como apregoamos, que o Sp. Espinho seja um projeto sério.

Ou acreditamos mesmo que alguma marca quererá estar ligada a um clube cuja atitude dos adeptos é a violência, quer estar associada a jogos que são interrompidos porque o árbitro não tem condições, a adeptos que entram em conflitos com os jogadores? Eu não quereria. Isto é uma bola de neve. Só quando a nossa atitude for exemplar poderemos atirar pedras (calma, por favor, não estou a ser literal…). E um projeto sério implica investimento financeiro, precisamos desses patrocinadores.

Os jogadores vão e vêm. Nós, os adeptos, ficamos cá sempre. Somos nós que temos que dar o exemplo, ser exemplares. Mostrar, com as nossas atitudes, como é ser do Espinho, porque mudar tem de incluir todas as pontas, todos nós. E ser do Espinho pode muito bem ser diferente para cada um. Os que vão ao estádio e os que não vão. Os que cantam e os que estão calados o jogo todo. Pagar quotas e contar quilómetros não dá direito a tudo e mais alguma coisa. O respeito não se alcança com o cartão em dia. Se ser do Espinho é aquela vergonha que tenho visto em muitos adeptos, eu não quero ser do Espinho.

Acrescente-se que ser adepto “a sério” também é pagar as quotas em tempo de pandemia quando não dava “desconto” nos jogos aos quais não podíamos ir. Alguém consegue imaginar o quão difícil foi aguentar um clube que já não estava bem e, de repente, teve de ficar sem mais duas fontes de rendimento (as quotas e a bilheteira)? A carapuça serve a quem servir, mas eu ouvi muitos a dizer que não tinham pagado as quotas. Abriram-se os estádios, foi tudo a correr para pagar menos nos ingressos. Um adepto “a sério” é, também, estes pequenos exemplos. E a culpa de descermos não está deste lado, claro, está no que se fez ou não dentro de campo. Mas este é o único lado que controlamos.

E mesmo a direção – qualquer uma – também está de passagem. Se não for esta, que seja outra. Os ciclos renovam-se e isso é ótimo. Esperava chegar a dia 7 e encontrar não uma, mas várias outras candidaturas. Que bom seria ver que tanta gente está disposta a sacrificar-se pelo Espinho. Sim, porque apresentar um projeto a sério e estar disposto a levá-lo avante, sem receber, no estado em que o clube está e correndo o risco de ser alvo de cenas de violência – no campo e nas redes sociais – é de valorizar. Talvez tenha sido dado pouco tempo para a construção de um projeto para concorrer, mas com a quantidade de comentários de opinadores das redes sociais, decerto não faltaria quem tenha a solução milagrosa na manga.

Para o Bernardo, aquele abraço. O da subida, em 2017, o da manutenção no ano passado, que foi mais um desabar do que uma festa, e o da descida, que ainda havemos de dar.

Cláudia Brandão

Colonista