Definir qualidade de vida não é tarefa fácil. As razões da complexidade residem no facto de o conceito ser imbuído de grande subjectividade e relatividade, dependendo de pessoa para pessoa e, portanto, das áreas de interesse consideradas relevantes; mas, de uma forma geral, parece existir algum consenso em torno de algumas áreas objectivamente consideradas: saúde, trabalho, habitação e educação. Numa visão mais holística, a qualidade de vida envolve ainda outros parâmetros como o bem-estar, o prazer, as relações interpessoais e a realização pessoal, etc. 

Numa tentativa de padronizar o conceito, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a qualidade de vida como “a percepção que um indivíduo tem sobre a sua posição na vida, dentro do contexto dos sistemas de cultura e valores nos quais está inserido e em relação aos seus objectivos, expectativas, padrões e preocupações”. Naturalmente que num conceito tão vago e generalista se torna praticamente impossível definir critérios que sustentem um ranking “medidor” da qualidade de vida. Por essa razão e no que concerne às cidades são, normalmente, utilizados valores relativos a questões sociais e económicas, acessibilidades e mais recentemente ambientais, na consideração de que a qualidade de vida é um importante instrumento de planeamento e gestão do território. 

Dentro da subjectividade que o conceito encerra, procurarei dar a minha visão sobre os aspectos, positivos e negativos, que influenciam a qualidade de vida em Espinho. 

Parece-me inegável existir qualidade de vida em Espinho. Circunscrevendo a análise à cidade e não ao concelho, um aspecto resulta à evidência: o de que estamos em presença de uma cidade plana, sem relevo, onde, portanto, é fácil circular, mesmo a pé. A disposição em quadrícula e a nomenclatura das artérias em números facilita a mobilidade urbana e a orientação. Não obstante ser uma cidade relativamente pequena, dispõe de infraestruturas e eventos, sobretudo nos domínios do lazer e da cultura, dos quais se destacam: o Museu Municipal, o Centro Multimeios, o FACE, a Nave, o CINANIMA e o FIME, para citar só os mais importantes. 

Mas a qualidade de vida está indissociavelmente ligada a um pressuposto básico: a habitação. Vejamos alguns números: a população residente em Espinho sofreu um decréscimo de 7,9% entre 2001 e 2021 sendo, assim, evidente o declínio populacional do município; a faixa etária que apresenta maior redução é a dos 15 aos 24 anos, isto é, a população mais jovem que aqui não encontra atractividade e continua a instalar-se em municípios vizinhos. 

A que se deve tal tendência, aliás em contraciclo com a da média nacional? Haverá certamente muitos factores, o principal dos quais será o custo da habitação, que deverá merecer maior atenção, empenho e cuidado por parte da autarquia se, como é natural, pretender que a cidade se constitua como um local de bem-estar e qualidade de vida.  

A empregabilidade é outro dos vectores a pesar na balança. O volume e qualidade do emprego são dependentes da estrutura do mercado do trabalho e do modelo de desenvolvimento económico. A escassez do território de Espinho, com apenas 21,06 km2 de área, e a sua localização ao longo da costa marítima são factores limitativos do desenvolvimento de áreas do sector primário e secundário, pelo que o sector terciário (comércio e serviços) é largamente prevalente. Por outro lado, a taxa de desemprego deverá situar-se em cerca de 12% da população activa, o que é um mau indicador da empregabilidade. A valorização das infraestruturas locais (praia, museu, casino, centro multimeios, nave polivalente, complexo de ténis, hotéis, ecovias, restaurantes, etc.), o apoio à organização de eventos culturais e de lazer, o fomento e apoio instalação de empresas tecnológicas, a criação de “hubs”, físicos ou virtuais, de empresas mas, sobretudo, um investimento na formação e qualificação em todas as áreas de actividade, são medidas que contribuirão decisivamente para alcançar o objectivo de fortalecimento do sector. 

Ainda nos serviços, merecem particular realce as áreas do comércio, turismo e ambiente.  O comércio tradicional apresenta-se como alternativa válida à massificação, despersonalização e impessoalidade das grandes superfícies comerciais e, no concelho, assume particular relevância, devendo ser fortemente apoiado por medidas sócio-económicas, de natureza fiscal, de redução dos preços da água, lixo e gás, das taxas de esplanadas (restauração), de espaços de estacionamento reservados, de apoios à compra e arrendamento de espaços e, acima de tudo, a elaboração de um plano estratégico que contemple, designadamente, a instalação de lojas âncora. 

A área do turismo é, sem dúvida, a de maior potencial de desenvolvimento de Espinho. A cidade dispõe de localização geográfica, condições urbanísticas e infraestruturas que incrementam a possibilidade de ser um importante polo de atracção turística. No entanto, não são exploradas todas as suas potencialidades, nomeadamente, a sua imensa orla costeira; o apoio às actividades do surf e bodyboard com a instalação de balneários na praia; a promoção e a valorização, através de campanhas publicitárias, das infraestruturas e eventos locais. Mas é preciso mais: a elaboração de um plano estratégico de desenvolvimento do turismo assente no estudo dos recursos existentes, no envolvimento da comunidade e dos agentes económicos com o fim de definir os objectivos gerais (melhoria dos indicadores do turismo) e específicos de Espinho (aumento da frequência, eliminação da sazonalidade e retorno do investimento). 

Em termos ambientais há aspectos que se destacam pela negativa, o primeiro dos quais será a notória carência de espaços verdes. A requalificação do canal ferroviário veio mitigar o problema mas não é ainda a solução. A recente intervenção em grande parte da área da cidade, tornou-a mais moderna, mais aprazível, mais bonita, mais funcional. Há, porém, aspectos que não são compreensíveis. A construção de vias cicláveis é de aplaudir mas, por que razão, nalgumas delas e em duas das principais artérias, a via é interrompida/inutilizada por blocos de cimento e vasos? E porque razão existem lombas absolutamente desproporcionadas que diminuem a velocidade e… os “carters” dos automóveis…? 

Os espaços de estacionamento, mercê do contrato leonino celebrado pela autarquia, são de duração limitada e extremamente caros. A alternativa amenizadora foi a construção do parque subterrâneo, na Rua 8. Porque continua encerrado? 

A construção de espaços verdes e de espaços ao ar livre é uma medida essencial para o ambiente e para a saúde mental. E não só para o sector público, mas também para o privado, sugerindo-se: a adopção do princípio da subordinação da atribuição das licenças de construção à criação de espaços verdes; o fomento da instalação de esplanadas que obedeçam a princípios de uniformização numa base standard e em plano, evitando-se a visão terceiro-mundista existente numa das principais artérias da cidade. Duas notas finais: a urgente necessidade de agir, através de uma campanha de sensibilização, primeiro, e coercivamente, depois, para eliminação dos deploráveis e nojentos dejectos de canídeos que conspurcam as artérias da cidade, os parques e os canteiros, lembrando que o art. 18º do Regulamento de Resíduos Sólidos obriga os proprietários ou acompanhantes de animais a proceder à limpeza e remoção imediata dos dejectos depositados nas vias e outros espaços públicos; lembrar ainda que a lavagem das ruas da cidade não pode ficar sujeita apenas à rotura de condutas e aos caprichos da natureza… 

Rui Abrantes

Advogado

(O autor escreve de acordo com a antiga ortografia)