Nos últimos 3 anos, houve três tendências que fizeram aumentar a procura por habitações, todas elas positivas para o país. A primeira foi o crescimento do Alojamento Local que esteve na origem do boom do turismo e de todas as oportunidades que surgiram daí. Muitos empregos e negócios não existiriam hoje se a capacidade de alojamento não tivesse aumentado graças ao alojamento local. O turismo é uma das poucas indústrias relevantes em que Portugal compete com os melhores do mundo e o alojamento local deu um grande impulso nisso.
A segunda mudança que colocou pressão na procura de habitações foi a vinda de mais estrangeiros viver para as nossas cidades. Vieram em busca de bom tempo, da segurança e de condições fiscais vantajosas. A vinda de estrangeiros para o país tornou as nossas cidades mais cosmopolitas e abriu oportunidades para o país que não existiriam de outra forma. A vinda de estrangeiros aproximou as nossas cidades às mais populares do mundo, especialmente as grandes cidades.
A terceira mudança, a mais importante de todas, foi o período excepcional de taxas de juro baixas, que pode estar a acabar, mas que permitiu a muitos portugueses comprar casas com mensalidades muito abaixo do que teriam noutras alturas. Como a maioria das pessoas pensa no preço a que compra casas com base na mensalidade que terá que pagar, os portugueses ficaram mais disponíveis para pagar por casas mais caras o que também ajudou a aumentar o seu preço.
Todas estas mudanças foram boas para o país. Todas elas trouxeram também um aumento na procura de casas. E isto não se teria reflectido em preços mais altos se a construção de novas casas tivesse acompanhado o aumento da procura. No entanto, a oferta não acompanhou a procura, antes pelo contrário.
Apesar de haver mais pessoas a querer comprar casas, apesar de os preços terem subido, a construção de novas casas caiu a pique na última década. Nos últimos 10 anos construíram-se apenas 130 mil casas em Portugal. Nos 10 anos anteriores, tinham sido 760 mil. São mais de 600 mil casas que se deixaram de construir nos últimos 10 anos.
Uma das razões para isso ter acontecido foi a crise financeira no princípio da década. Nessa altura, o financiamento à construção secou e muitas empresas de construção tiveram dificuldades. Outras ainda faliram. A construção tem um ciclo muito longo, ou seja, demora muitos anos até a oferta conseguir responder à procura. Quando as construtoras se apercebem que a procura está a aumentar, entre tomar a decisão de investimento, obter financiamento, comprar o terreno, ter o projeto aprovado, construir e vender, passam alguns anos. Isto faz com que aumentos súbitos de procura gerem no imediato aumentos de preços porque não existe uma resposta imediata da oferta. Quando os processos de licenciamento são lentos, a resposta demora ainda mais.
Se tivessem sido construídas mais 600 mil casas como na década anterior, a situação da habitação hoje seria muito diferente. As casas seriam muito mais baratas, as rendas seriam mais acessíveis, mais jovens poderiam ter saído de casa dos seus pais e o parque habitacional seria menos envelhecido.
A crise financeira explica parte deste decréscimo. O motor do mercado imobiliário é complexo, envolve bancos, construtoras, empreiteiros e subempreiteiros. Muitas das peça deste motor foram à falência e não estavam lá quando a recuperação começou para voltarem a construir casas. Mas há outros factores que contribuem para este problemas.
Em muitas cidades, os PDMs não são revistos há demasiado tempo, impedindo novos projetos de construção, mesmo aqueles que fazem sentido. Os licenciamentos demoram anos a conseguir e estão sujeitos a regras muito subjetivas, fazendo com que quem queira investir nunca saiba ao certo se o seu projeto será aprovado.
Por outro lado, a fiscalidade tem um peso elevado na construção. Cerca de 40% dos custos da habitação correspondem a impostos, incluindo o IVA da construção que não é dedutível. No final, o comprador ainda tem que pagar IMT sobre o preço da casa. Já quem constrói é hoje condenado a pagar AIMI (o conhecido imposto Mortágua) sobre terrenos a aguardar licenciamento e casas a aguardar comprador.
Outro problema que resiste é a falta de mão de obra na construção. Muitos dos trabalhadores especializados emigraram ou mudaram de ramo na última crise financeira. Com muitos sectores hoje a apresentar escassez de mão de obra, é difícil ir buscar mão de obra ao resto da economia. Por outro lado, o sistema de imigração é complexo para trabalhadores fora da União Europeia e, ao contrário do que acontecia há alguns anos, Portugal já não é atrativo para imigrantes de outros países da União Europeia.
Tudo isto somado fez com que a oferta de novas casas tivesse caído a pique. Ao mesmo tempo que a oferta descia, a procura por casas aumentou. Na discussão pública fala-se muito da procura para alojamento local ou por estrangeiros porque são factores que afectam as freguesias de Lisboa onde boa parte das pessoas da comunicação social e da política se movimentam. Mas estas fontes de procura de casa são residuais no país como um todo. Aquilo que fez realmente subir a procurar por habitações foi a descida das taxas de juro até zero (e abaixo disso). Esta descida está agora a inverter-se, mas durante anos teve o efeito de tornar as prestações das casas mais baratas fazendo com que mais pessoas se sentissem confortáveis em comprar casas mais caras.
A habitação tem, por todo o país, um problema de falta de oferta. Nunca se construíram tão poucas casas em Portugal. Todas as soluções normalmente apresentadas (restrições ao alojamento local, limites às rendas, dificultar compra de casas por estrangeiros) respeitam uma determinada agenda social-nacionalista, mas pouco farão para resolver o problema. Limitar rendas é apenas uma forma de limitar o número de casas no mercado e expulsar turistas das cidades é uma forma de eliminar aquilo que trouxe vida e atraiu pessoas para o centro das cidades em primeiro lugar. Apenas políticas de desburocratização, simplificação de processos e descida da carga fiscal resolverão um problema que na sua essência é de redução de construção.
Carlos Guimarães Pinto
Colunista