Os espinhos e as rosas da vida

“Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos, há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!” –Machado de Assis.

Na verdade, este pensamento simboliza muito bem os dois tipos de pessoas que nos cercam e que fazem parte da nossa vida quer familiar quer social. Diria mesmo que a predominância aponta mais para o primeiro grupo – os que veem a vida de forma muito negativa e estão sempre a carpir: pelo frio que gela os ossos, pelo calor que atormenta o sono, pelas obras que são eternas, pelo ordenado que é menor do que o do amigo, pela saúde que não é plena, pelo carro que não é o de sonho, pelo vizinho que incomoda, pelos políticos que prometem e não cumprem, pelas festas que não foram convidados, por este, e mais aquele, e outro ainda. Tudo pretextos a devastar, em negritude, a mente carregada de nuvens. Deixam assim de avistar o horizonte carregado de luminosidade e, entretanto, sem se aperceberem, a vida escorrega depressa demais, mergulhada em tanta amarguras. E que sentido tem uma vida assim?

Nela, não sobra seguramente espaço para a beleza das coisas simples que enchem a vida e para as quais parecem distraídos, atormentados pelos espinhos que invadem a realidade do dia a dia. Passam a ficar descrentes, desiludidos e amargos.

Juntemo-nos a gente positiva sem deixarmos de combater as pessoas negativas, aquelas que veem em tudo problemas, sendo mesmo uma solução ventilada um outro problema. É difícil mudar esta postura perante a vida mas não impossível. O segredo é enfrentarem a vida como um sorriso e não com amargura. Façamos todos a aprendizagem do sorriso e da gratidão, tesouros a valorizar como José Saramago, in “Deste Mundo e do Outro”, sugeriu: o sorriso “(…) este que é compreensão e serenidade, única arma contra o absurdo que vive paredes-meias connosco, couraça contra as agressões – estrada real que se quer desimpedida de miragens e alienações. E chamo-lhe a ferramenta perfeita da transformação, porque com ela sabemos o valor do que tomamos e abandonamos, porque já o sabíamos antes e estamos preparados (…)”.

Dir-me-ão: não cabe tanto no sorriso. Eu digo (como o autor citou também) que cabe, basta querer!

Deixemos o espírito negativo e as rotinas que muitas vezes nos tornam cativos desses pensamentos e atitudes.

Na verdade, as rotinas têm de certo modo um efeito saudável permitindo-nos habitar em confiança o tempo, mas, como José Tolentino Mendonça referiu, pode-se correr o risco dela se substituir à vida! Cito as palavras do autor in “A Mística do Instante” como forma de reflexão: “A rotina não basta ao coração do homem. O grande desafio é, em cada dia, voltar a olhar tudo pela primeira vez, deslumbrando-se com a surpresa dos dias. É reconhecer que este instante que passa é a porta por onde entra a alegria. Mas para isso teremos de recuperar a sensibilidade à vida, à sua desconcertante simplicidade, ao seu canto frágil, às suas travessias. A vida que nos havíamos habituado já a consumir no relâmpago que dura um fósforo, sem ouvi-la verdadeiramente, sem conspirar para a sua plenitude. Para responder à pergunta sobre o sentido que a dada altura nos assalta (“a vida que levo que sentido tem?”) é indispensável uma pedagogia de reativação dos sentidos”.

Neste verão, mesmos apesar da presença de espinhos, alguns apenas em postura e forma de estar e de olhar a vida, mas noutros casos, espinhos reais, sentidos diretamente na forma de viver e lutar pela vida, não deixemos de sorrir, como forma de os combater e procurar energias para os superar. Assim, desafiando as amarguras e as rotinas, vamos focar-nos naquilo que realmente importa – as rosas da vida!

Arcelina Santiago

Colunista