O Festival de Folclore de Anta atraiu muita gente ao Largo do Souto, no primeiro sábado de setembro. (Fotografia: Francisco Azevedo/DE)

O Rancho Folclórico da Nossa Senhora dos Altos Céus assinalou quatro décadas desde a fundação a 1 de setembro de 1982.           Tem currículo além-fronteiras, inclusive no Brasil. É figura de proa em festivais de folclore e já reconstituiu segadas, escapeladas, malhadas.

Fundado a 1 de setembro de 1982, o Rancho Folclórico Nossa Senhora dos Altos Céus encetou a atividade na recolha das tradições, usos e costumes, danças e cantares da região. “Também sou fundador do grupo”, dá nota o presidente Mário Silva, de 76 anos, recordando-se da iniciativa liderada por Vicente Alves Pinto, mentor do projeto que resultou de uma cisão no Grupo Recreativo e Cultural Semente. “O senhor Vicente Pinto tocava violino. Era um músico de pauta”, assinala o atual responsável, acrescentando ser “muito organizado”, “dinâmico” e “a alma do Rancho dos Altos Céus”, não tendo sido necessário muito tempo para criar o novo grupo de folclore: “saímos [do grupo Semente] e, no dia seguinte, demos logo vida ao rancho na casa de Américo Sá. Hoje, restam “meia dúzia de fundadores vivos”, entre os quais Rosa Pinto, viúva precursor do rancho. “Continua cantadora, arrebitada e entusiasmada nos ensaios e nas atuações”, sublinha Mário Silva.

Inserido na Região do Douro Litoral e Terras da Feira, o Rancho dos Altos Céus orgulha-se de representar com autenticidade as danças e cantares do fim do século XIX, e início do século XX, salientando as rusgas, as tiranas, os viras e as danças de roda que eram dançadas no fim do trabalho do campo ou das escapeladas.

“Todas a modas foram escolhidas pelo senhor Vicente Pinto”, realça Mário Silva, emocionado, lembrando-se do saudoso amigo. “Andou a pesquisar letras e músicas antigas. Chamavam-se ‘modinhas’ e animavam as escapeladas [sinónimo de desfolhada]”. “Atualmente”, acrescenta o responsável da coletividade, “quase ninguém sabe o que eram”. “Nos Altos Céus, Esmojães e noutros lugares de Anta, as pessoas malhavam o milho, que depois de ceifado e desfolhado, nas eiras e em enormes cozinhas, era depositado nos canastros”, descreve.

Os tempos eram outros e as conjunturas que aceleram a atualidade são inegavelmente diferentes dos usos e costumes evocados pelo folclore. O responsável do rancho reconhece o papel de preservação de memória que compete a esta atividade e exemplifica: “a malta nova não sabe nada disso, a não ser que assista a um evento de folclore. Fizemos uma horta para que as senhoras mais antigas do rancho, como a minha mulher, explicassem às crianças das escolas como é que se cultivam os produtos agrícolas para a alimentação. E quando se explicava qua as batatas que chegam à nossa mesa são semeadas, um miúdo disse logo que as batatas dele eram as que a mãe ia buscar ao Continente”. Um cenário muito diferente da infância de Mário Silva, que recorda o pão que a mãe “cozia em casa” e que “dava para uma semana inteira”.

Artigo disponível, na íntegra, na edição de 8 de setembro de 2022. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.