Um bom caminho!

Porquê o desejo de fazermo-nos ao caminho? Questionei o meu filho pela surpresa da sua súbita vontade de concretizar o Caminho de Santiago. Foi já há três anos atrás, mas hoje escrevo por achar que este fenómeno acontece cada vez mais. Não tenho respostas, antes muitos questionamentos. Estará na moda? Faz parte dos chamados desafios que se tornaram virais e globais, graças à divulgação nas redes sociais? Será que os testemunhos dos caminhantes inspiram outros? Será que o ser humano precisa cada vez mais de se pôr à prova?

O que leva um caminhante a iniciar esta viagem, perguntei a quem vivenciou esta experiência na primeira pessoa. A ideia surgiu-lhe pelo desejo de aventura e pela travessia do desconhecido.

Segundo a sua opinião, ir acompanhado é importante, ou não, mas se pensarmos na necessidade de amparo perante o inesperado será uma boa opção. Muitos dos que encontrou no caminho iam sozinhos. Não precisavam de apoio porque, na verdade, não vão sós, pois acreditavam que iam acompanhados pelo seu outro eu, com quem querem dialogar em silêncio, ou com a própria natureza, ou, então, em comunhão com a fé em que acreditam.

Tudo é aceitável e cada um terá as suas razões, não havendo umas mais verdadeiras ou aceitáveis do que outras. Uma coisa é certa: ninguém fica igual depois desta caminhada, cuja etapa não termina aqui, mas antes se prolonga pela vida fora, como dizia o poeta João Machado, “o caminho faz-se caminhando”. Aquilo que se aprende dele é o verdadeiro cerne da questão.

Aqueles que acreditam que viver esta experiência os vai transformar, certamente que estão certos. Estamos todos em constante transformação, mas viver esta experiência será talvez um dos pontos mais marcantes.

O encontro com pessoas, outros caminhantes, leva ao conhecimento de facetas que não são as habitualmente valorizadas na vida quotidiana

Conheci uma pessoa muito famosa e abastada, carinhosamente conhecida pela mãe do Rock in Rio que, após a caminhada, mudou o seu estilo de vida completamente. Escreveu um livro onde relata a experiência incrível de estar despojada de tudo, ser igual aos outros caminhantes e conquistar amigos pelo que realmente era e não pelo que possuía.

O encontro com pessoas, outros caminhantes, leva ao conhecimento de facetas que não são as habitualmente valorizadas na vida quotidiana. O encontro nasce quase como a comunhão entre caminhantes e habitantes das vilas e aldeias. Oferecem carinhosamente um banco, uma cadeira que tanto precisam os exaustos caminhantes, mas não se ficam por aí. Gostam de conversar. São figuras que fazem parte deste cenário, prontas para saudar com o afável “um bom Caminho!”. Se um pintor pintasse o momento, diríamos que ficaria registada a alegria altruísta de acolher, mas também a alegria da partilha preciosa pela comunicação com alguém. Afinal, só somos alguém se existir um outro. E como temos estado todos tão afastados desta faceta, numa sociedade veloz e mergulhada no materialismo!

Muito interessante é, ao longo dos pontos de possível estadia, ser tudo muito simples, não se detetando sinais de exploração nos albergues ou nos locais para comer. Tudo parece ligado segundo uma lógica de fazer acontecer o espírito deste plano de caminho, em humildade e não de aproveitamento, ou a obedecer a um roteiro turístico.

Se o esforço despendido, principalmente agudizado no final do percurso, é doloroso, quando se avista a imponente Catedral de Santiago tudo parece passar, pois o objetivo está prestes a ser atingido. Há estórias marcantes que fazem parte do historial de viagens com tradição, há tantos e tantos anos, como a dos dois jovens asiáticos que desejavam ardentemente concluir este Caminho. Um deles, infelizmente, morreu subitamente antes de chegar à Catedral. O seu amigo voltou um ano mais tarde, àquele local onde o amigo tinha falecido para levar as suas cinzas até ao destino final.

Seguir até ao fim é o desígnio principal, com humildade e despojados de bens materiais. Com o mínimo de roupa, a provar que temos demais, com pouco dinheiro porque a estadia ao longo do caminho não é de luxo. Com muito calor ou frio e com muita canseira até chegar à exaustão? Certamente que sim, mas é outra grande lição a aprender: dar valor às coisas porque na vida nem tudo é fácil, mas não é por isso que devemos desistir.

Pode-se fazer várias opções neste caminho até Santiago de Compostela. Há vários caminhos a começar mais perto ou mais longe, em Portugal, mas também do estrangeiro, pode-se ir a pé, de bicicleta e mesmo a remar em canoa.

Em todas elas, o meio não importa, mas sim a intenção. Direi até que voar é algo que está ao alcance de toda a gente. Não voar de uma forma literal, mas no sentido de crescer e aprender com o caminho.

E à questão: queres voltar a fazer esta caminho? É claro que sim, respondeu o meu filho. Por isso, concluo que ele acaba por ser viciante por alguma razão e cada um terá a sua.

Bom caminho!

Arcelina Santiago

Colunista