Gabriel Couto tem 50 anos e nasceu em Espinho. É o presidente do conselho de administração da Auto Viação Feirense, empresa que reúne um património em autocarros avaliado em mais de 58 milhões de euros. Engenheiro de formação académica, dedicou-se, desde muito cedo, aos negócios. Comprou a maioria das quotas da AV Feirense, empresa da qual o seu pai era um dos sócios. A intensão é expandi-la, mas quer enveredar por outros projetos pessoais, um dos quais ligado ao alto rendimento desportivo.

Como é a sua vida como administrador numa empresa com a dinâmica da AV Feirense?

Perco imenso tempo da minha vida com aspetos puramente burocráticos, a preencher inquéritos e papéis que as mais diversas entidades nos solicitam. Seria bem melhor que pudesse dedicar muito mais tempo ao negócio, ou seja, saber se os autocarros estão bons e capazes, se estamos a prestar um bom serviço aos clientes e se está a ser prestado de forma condizente com as necessidades ou se estamos a planear o futuro de acordo com essas necessidades.

Por que razão há todas essas complicações?

Trabalhamos com várias entidades e fazemos imensos relatórios. Todos os dias temos um prazo que termina nesse dia. Por isso, a minha função acaba por ser demasiadamente preenchida com a burocracia da empresa. São necessárias decisões e, por isso, tenho de dar imensa atenção a isso. Sendo eu um homem de operações, estas quase que me passam ao lado! Quem nos pede esses documentos acha que são a coisa mais importante do mundo e, por isso, não nos deixa falhar. E, com isto, quem deve merecer a nossa atenção é, certamente, prejudicado. E se não nos focarmos nas pessoas, acredito que, a longo prazo, estamos a degradar o nosso negócio. Por tudo isto, estou desanimado e pretendo sair. Vou dedicar-me a outras coisas.

Aos 50 anos já está cansado?

Não estou cansado. Preparei-me, durante toda a vida, para trabalhar, mas não me preparei para ser burocrata. Sou licenciado em engenharia e tenho ambições para fazer outras coisas, até fora do âmbito empresarial.

Que coisas são essas?

Tenho duas ideias que gostaria de fazer no período de vida ativa que ainda tenho pela frente. Queria criar uma academia de alto rendimento desportivo. Já falei com uns amigos meus em Espinho para poder avaliar quais as modalidades que poderíamos abranger neste projeto. O objetivo seria ter uma ou duas modalidades olímpicas para que pudéssemos criar atletas de alto rendimento a partir de jovens de 11 ou 12 anos para os prepararmos para os ciclos olímpicos. Mas isto custa muito dinheiro e essa empresa teria de se autossustentar. A outra ideia seria criar uma instituição para que os jovens de baixos recursos pudessem passar lá o dia e estudarem, proporcionando-lhes uma vida mais por dentro daquilo que se considera normal. A intenção seria a de levar essas crianças até à universidade. Para já, tenho imensas preocupações nesta empresa, com problemas que tenho para resolver e irei dedicar-me a esta missão.

Isto significa que tenciona desligar-se da empresa?

Não. Penso vir cá, uma vez por ano, para ver as contas. A minha vida está estabilizada. Para me envolver nesse projeto do alto rendimento terei de dispensar imenso tempo e, por isso, não significa que irei ficar parado. Esse projeto implica um investimento grande e muitas despesas.

Como surgiu a sua vocação para empresário?

Muito novo fui trabalhar para a indústria automóvel. Trabalhei no desenvolvimento automóvel da Volkswagen e fazia parte das equipas de lançamento dos novos automóveis, na área da industrialização. Estava na secção de desenvolvimento de máquinas para produzir as peças dos carros e, por isso, lidava com fornecedores que desenvolviam os equipamentos industriais. Apercebi-me que eles ganhavam muito dinheiro. Saí da empresa e tornei-me fornecedor com uma pequena empresa que criei. Produzia protótipos de máquinas e vendia-as, com produção a preços portugueses e que eram vendidos a preços alemães. Isto era um bom negócio. Andei uns anos assim. Cheguei a criar uma empresa na Roménia só para vender para a Yazaki. Ganhei um bom dinheirinho para depois ter um bom fundo de maneio para comprar a AV Feirense.

Como chegou à AV Feirense?

Tinha uma empresa de engenharia e o meu pai começou a ter problemas com os sócios na AV Feirense. Vim tentar resolver esses problemas e comprei a maioria das quotas da empresa. Optei por deixar a empresa de engenharia, que vivia muito de negócios pontuais, para me dedicar a tempo inteiro à AV Feirense. Passei a saber para onde ia trabalhar todos os dias.

O que preconiza para a empresa?

Os objetivos para esta década estão definidos. Já temos um business plan para a década 20/30. Vamos fazer a operação na Área Metropolitana do Porto e seremos o grande operador desta região porque iremos ter 36% das operações. Ainda temos operações em Lisboa e autocarros a operar entre o Porto e Lisboa e outros pequenos serviços comerciais como transporte de deficientes, Aeroporto de Lisboa, Flexibus… Neste momento, fazemos tantos quilómetros como o STCP, no Porto, mas quando iniciarmos a operação na AMP iremos fazer tantos quilómetros como a Carris, em Lisboa. Há quem diga que não saberei quando devo parar. Por isso, a solução para saber parar é saltar fora. É preciso saber para não sermos engolidos pelo monstro.

Mas não é possível tornar a sua empresa ainda maior?

Em Portugal é impossível ser um gigante nesta área dos transportes. Neste momento, a AV Feirense já é a maior empresa 100% portuguesa. Por isso, sem dinheiro exterior é impossível sermos maiores do que aquilo que somos atualmente. E a introdução de capital estrangeiro na empresa poderá estar para acontecer porque estamos em negociações para tal, de forma a podermos projetar esta empresa para um patamar ainda mais elevado. O que poderá acontecer é perdermos um pouco da nossa identidade portuguesa. Quando digo que não tenho autocarros elétricos a pensar na atmosfera e no meio ambiente, o caminho empresarial também não é a pensar na portugalidade. No entanto, para trabalharmos cá temos de ter sempre um cunho de portugalidade. Por exemplo, falar com um político em português é diferente de falar com ele em inglês. Mas isto também acontece nos outros países!

Entrevista completa na edição de 22 de setembro de 2022. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.