#POBREPOVOPOBRE

Seguindo uma certa apetência por ver um tema a partir de diferentes perspetivas, gosto de pegar nas opiniões e certezas das pessoas e perguntar: e se for a contrário?, mesmo que concorde com a primeira ideia delas. Há uns dias questionei alguns colegas: então e não seria tudo melhor, mais justo, se ganhássemos todos o mesmo? É uma utopia, não se preocupem, sou a primeira a admiti-lo. Pergunto apenas para lançar o debate, para ver a perspetiva das pessoas.

A primeira resposta que recebi foi “Oh Cláudia, por favor, é claro que não”. Seguida por “faz algum sentido uma pessoa que constrói uma casa receber o mesmo que quem tem a responsabilidade de determinar políticas de habitação?”, ou o clássico “uma pessoa que varre a rua não pode ganhar tanto como um médico”. Eu pergunto “porque não?”. Por mais que saibamos que isso nunca irá acontecer, no fundo não contribuiria para diminuir as diferenças sociais, acabar com esse conceito que inventámos de classes?

Se eu ganhar o mesmo que o meu vizinho, vou escolher a profissão que gosto, não a que me dá mais estabilidade financeira, vou tirar um doutoramento porque posso optar por isso, vou poder escolher o local onde quero viver, deixando uns e outros de estar destinados aos subúrbios, que tipo de alimentação quero fazer, em vez de ter que optar sempre por marcas mais baratas, quantidades racionadas. Ou pior.

Anda nas ruas uma campanha da Rede Europeia Anti-Pobreza que, seguindo a hashtag #pobrepovo, expõe o que os seus protagonistas procuram esconder: a pobreza, uma pobreza crescente nas coisas mais elementares.

Hoje, depois de uma reportagem publicada pelo Expresso sobre o aumento do furto de comida nos supermercados, volto à pergunta daquele dia: então não seria tudo melhor, mais justo, se ganhássemos todos o mesmo? Tenho a ideia de que se a distância entre quem varre a rua e um médico não fosse tão grande, o primeiro não teria a necessidade de furtar para comer, ao segundo nada faltaria na mesma, e o dono do supermercado – aí já não milionário, e ainda bem – teria o tanto que precisa para viver bem. Não teria necessidade de colocar alarmes em latas de atum ou postas de bacalhau para proteger os seus lucros pornográficos.

Anda nas ruas uma campanha da Rede Europeia Anti-Pobreza que, seguindo a hashtag #pobrepovo, expõe o que os seus protagonistas procuram esconder: a pobreza, uma pobreza crescente nas coisas mais elementares. A Isaura que janta pão à noite e já não se lembra do sabor da carne. O Mauro que só vê os filhos ao domingo porque tem um emprego a tempo inteiro e mais dois part-times. A Maria que vai trabalhar com o estômago vazio para os filhos comerem alguma coisa para ir para a escola. Mais as notícias de idosos despejados de casa.

E se ganhássemos todos o mesmo? Não seríamos, de facto, todos um povo mais nobre ao invés de uns mais pobres e outros mais ricos? Uma autêntica utopia, claro. Mas #pobrepovo se não vai atrás de um mundo mais justo, que não este que promove a desigualdade abertamente, que dela beneficia sem pudor. Não queremos que a pobreza acabe, pois não? Quando eram os ricos que deviam ter vergonha, são os pobres que sentem a necessidade de disfarçar.

Cláudia Brandão

Colunista