Esperávamos, desejávamos, conseguimos, pagamos que é pelos nossos pecados

O coordenador da Igreja para a Jornada Mundial da Juventude, que este ano se realiza em Lisboa nos primeiros dias de agosto, disse que a instituição que representa – vulgo Igreja Católica – não quer, e passo a citar, “passar uma imagem de riqueza, de ostentação, porque isto fere os portugueses e os jovens”.

Depois dos mais (e menos) recentes escândalos que afetam a Igreja, nomeadamente os “não muito elevados” – considera Marcelo Rebelo de Sousa – números de queixas de abusos sexuais contra padres e as várias (e, parece-me, bem sucedidas) manobras para os diluir e fazer esquecer, o Bispo D. Américo Aguiar está preocupado que os muitos milhões de euros que vão ser gastos na construção de dois palcos para receber o Papa na capital possam ferir os portugueses e os jovens (não deixa de ser irónico que esteja preocupado com o que pode ferir os jovens, não é?).

Só a descrição das estruturas megalómanas, mais os apoios e acrescentos, leva os caracteres quase todos que aqui me dão: um dos “altares-palco” ocupa uma área de 5.000 m2, tem uma altura de três andares e custa cerca de 4,2 milhões (sem IVA!), mais uns 1,06 milhões para fundações, mas, calma, vai poder, posteriormente, ser utilizado para outros eventos. Se me conseguirem dar um exemplo de um evento que o país possa receber que justifique um palco daquela dimensão, ficarei muito grata. O outro palco faz-se por mais uns dois milhões, mais coisa menos coisa. Tudo isto muito bem ‘adjudicadinho’ de forma direta, que é para andar mais rápido. E ainda há, por exemplo, mais 1,8 milhões de euros para lugar os sistemas de som e vídeo, que juntam à lista 15 ecrãs (led wall): três com 12 por 6 metros e 12 a medir 6 por 3,5 metros. Não há-de haver um único lugar em Lisboa de onde não seja possível ver e ouvir o Papa. Nem adianta não querer.

São esperadas mais de um milhão de pessoas durante esses dias (nem vou entrar no preço dos quartos. Ali e a largos quilómetros do epicentro do acontecimento) e eu até acho que esse ponto tem relevância para a economia (local). Mas, convenhamos, quer o palco custe quase seis milhões ou meia dúzia de trocos, quer seja um ou dois palcos, tenha lá a dimensão que tiver, as pessoas vêm na mesma porque – dizem, eu não sei, não é o meu tipo de evento, nunca pagaria viagem para semelhante – é um dos acontecimentos mais importantes da Igreja Católica. Se eu fosse um desses jovens católicos fervorosos, eu queria lá saber dos elevadores e das luzes e sei lá mais que artefactos. E mais um milhão para sanitários? Depois das queimas e outros festivais, tudo isso é luxo que dispensamos para poder ver o cabeça de cartaz.

Eu sei que a avareza é pecado, senhores da Igreja, mas…160 milhões de euros para trazer a Jornada Mundial da Juventude para aqui? 160 milhões? Pelo que foi dito, os contribuintes de Lisboa pagam 35 milhões, os de Loures desembolsam uns dez milhões, a Igreja, essa instituição que segue a imagem de castidade e humildade do Papa Francisco, pega nas esmolas e entra com 80 milhões e o Estado (LAICO, sublinhe-se, mas, pronto, as pessoas que isto traz ao país, vá), ou seja, nós, os outros, que não temos nada a ver com o assunto, mas queremos redimirmos dos nossos pecados, contribuímos com uns modestos 36 milhões de euros (uma percentagem dos quais vai para a requalificação de um parque que, depois da Jornada, vai servir…Lisboa).

Os portugueses, sempre a dizer mal de tudo, ou é porque se faz, ou é porque não se faz, acharam que tantos milhões para uns palcos por causa da visita do Papa era capaz de ser a gozar com os pobres. Que, até calha, nesta altura, com a inflação nos níveis que anda, até são mais do que quando conseguimos (“vitória!” para Marcelo) que a Jornada viesse para cá.

Se eu vivesse em Lisboa e tivesse que pagar 900 euros para alugar um T1 sem qualquer ajuda na renda, talvez ficasse um bocado incomodada que haja tanto dinheiro para dar um palco ao Papa. Se eu fosse uma daquelas 22 pessoas que disputavam um colchão naquela cave que incendiou no fim-de-semana passado na Mouraria, era capaz de estar pouco interessada no suposto retorno que a Jornada Mundial da Juventude poderia trazer para a cidade.

Portanto, quando, perante a indignação que se levantou, o presidente da Câmara de Lisboa insta os portugueses a decidirem se afinal querem que o Papa cá venha ou não, somos muitos a dizer um claro “não”, sem ponta de hesitação. Se pudermos escolher, escolhemos aquela opção em que usam estes muitos milhões a cumprir o suposto propósito mais básico da Igreja Católica: ajudar os mais pobres.

E depois, sim, senhor presidente, quando este for um país mais justo e igualitário, com menos diferenças socioeconómicas, aí juntamo-nos ao seu entusiasmo e também dizemos “esperávamos, desejávamos, conseguimos!”.

Cláudia Brandão

Colunista