A luz e a meditação 

Um dos principais aspetos da arquitetura de Siza Vieira é a relação dos edifícios com a luz natural. O famoso arquiteto revelou-nos a sua ideia sobre a luz, aquando da conceção do projeto da icónica Igreja de Santa Maria em Marco de Canaveses: “as igrejas deviam não estar escuras e isoladas no mundo mas dentro dela devia haver luz”.   

Também eu acredito neste simbolismo da luz que pode vir de uma simples janela rasgada ou composta por um vitral a lembrar-nos que a luz verdadeira será aquela que nos invade e permanece depois da meditação, para logo se expandir para o exterior. 

Essa luz simboliza a transparência e a interligação da igreja com o exterior e não o seu isolamento. 

Na verdade, nas igrejas seculares, com grandiosidade de espaço, a luz era considerada um entrave à meditação. Em algumas delas, o ambiente era mais leve, com raios de luz coloridos, emanados de vitrais,  mas mesmo assim a penumbra dominava. Servia para uma meditação profunda e intimista, uma introspeção nunca ameaçada por distrações fúteis e efémeras, embora, curiosamente, o espaço estivesse recheado de imagens e outros artefactos a compor o ambiente de religiosidade. 

O significado da transparência e da luminosidade através de uma janela rasgada ao nível dos olhos, a mostrar o exterior, vem trazer um novo paradigma na forma de olhar a espiritualidade. Esta, apresenta-se, não desligada do mundo real mas antes para ele virado. Assim, olhar do interior para o exterior, será um vaivém entre o intimismo da reflexão e o mundo real. Este ato não implica distração, mas antes, um diálogo humanista com o mundo natural, a fazer-nos lembrar a ambiguidade do ser humano na sua dimensão material e espiritual. 

Quando visitei esta igreja mariana, notável obra arquitetónica religiosa do século XX, logo após ter sido inaugurada em 1966, fiquei fascinada pela aparência simples, branca e despojada, apenas marcada por imensos simbolismos a  que o seu criador destacou: a porta, o batistério, a nave, o presbitério, o altar, o ambão, o sacrário, a cruz, a parede curva, a fresta horizontal e as fachadas.

De todos estes, destaco apenas alguns: a Porta de dez metros de altura. Ela representa a passagem do profano para o sagrado, a lembrar que quem transporta esta porta deve saber qual a dimensão da tolerância na casa de Deus “não demasiado larga mas suficientemente alta” como referiu o pároco desta igreja numa magnífica visita guiada. Depois, destaco a colocação da cadeira do presidente da Assembleia em lugar escolhido, a evitar a ideia de trono, mas antes, para facilitar a comunicação e proximidade com os fiéis. Por fim, relevo o ambão. Ele é o elemento mais avançado do presbitério, o mais próximo da Assembleia, “está assente no chão” e nasce dos degraus de uma forma natural. Como que a dizer-nos que a palavra de Deus, embora acima da nossa cabeça, está à nossa frente e ao nosso alcance.

Para melhor compreensão dos restantes elementos, todos eles repletos de simbolismos, sugiro uma visita guiada. Ficarão, tal como eu fiquei, deslumbrados com esta joia da arquitetura religiosa do século XX. 

Arcelina Santiago

Professora