Lembrar o dia da comunidade luso-brasileira

1 – Neste abril de 2023, o Presidente Lula da Silva começa em Portugal a primeira visita à Europa do seu terceiro mandato, depois de já ter estado entre nós, o ano passado, como presidente eleito. São significativos gestos de amizade que nos trazem a promessa de uma plena normalização das relações oficiais do nosso país com o país que, justamente, chamamos “irmão”.

Como sabemos, nas nossas famílias as relações entre irmãos nem sempre são cordatas, pacíficas e positivas. Exatamente o mesmo se pode dizer de nações como Portugal e Brasil que partilham, realmente, língua e laços de sangue e de afeto na singular caminhada de mais de cinco séculos, para construir um país de dimensão continental. De facto, nos duzentos anos que o Brasil já perfez como Estado independente, o relacionamento, a nível oficial, entre a antiga colónia e o antigo colonizador, embora quase sempre harmonioso e fraterno, tem registado altos e baixos.

A meu ver, o estranho “afundamento” recente das relações bilaterais, ao nível de Estado, começa, em 2011, com a Presidente Dilma Roussef, não melhorou, após o “impeachment” de que ela foi vítima, durante o atribulado mandato do Presidente Michel Temer, e “bateu no fundo” com o Presidente Jair Bolsonaro.

É por demais evidente a influência do “Palácio do Planalto” no processo, mas do lado português, na mansão de São Bento, também houve governantes que contribuíram para o movimento descendente, nomeadamente Cavaco Silva, com a sua conhecida insensibilidade a questões da imigração (primeiro foi o problema dos dentistas, que se arrastou longamente, depois, vários casos de expulsão de cidadãos brasileiros, que o nosso Primeiro-Ministro considerava serem “estrangeiros como outros quaisquer”…). E, por tudo isso, as novas vagas migratórias brasileiras, que deveriam ter criado um contexto favorável ao estreitamento de laços bilaterais, tiveram efeito contrário, a partir do momento em mudou a direção das correntes tradicionais, do sul da América para o da Europa…

Os nossos imigrantes no Brasil, não eram tratados como outros quaisquer! Recordo a minha primeira visita oficial a Brasília, sob a ameaça de legislação muito limitativa dos direitos da imigração. Fui recebida pelo Ministro Abi-Hakel, que me disse, antes mesmo de eu perguntar: “Pode estar tranquila, a nova lei não se aplica aos portugueses!” Assim era em 1980, mas, entretanto, muita coisa mudou, e não no bom sentido…

O último amigo de Portugal no “Palácio do Planalto” foi, ainda na primeira década do século XXI, Inácio Lula da Silva. O seu regresso ao poder, agora, abre perspetivas à recuperação do tempo perdido.

Questões ideológicas, apreciações de natureza política partidária (ainda por cima avaliadas numa democracia que sobreviveu ao parceiro preferencial da nossa extrema-direita radical), são, neste plano da cooperação luso-brasileira, irrelevantes. Não importa se o Presidente se chama Fernando Henrique, Dilma ou Inácio. O que importa é ser o Presidente do Brasil. Por estas ou outras palavras, assim falou o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Muito bem!

2 –  No absurdo bruaá que se levantou a propósito da receção ao Presidente Lula no dia 25 de Abril, (dia que foi, obviamente, uma bem-intencionada sugestão de Marcelo), muito estranho, que o nosso Chefe de Estado, assíduo visitante do Brasil, não tenho pensado em outra data de abril: 22, em vez de 25!.

A maioria dos portugueses, incluindo a maioria dos políticos de topo, que atualmente temos, ignora, (o Presidente não, evidentemente…), que, nessa data, se celebra o nascimento do Brasil lusófono, o primeiro passo dado por um navegador da expedição de Pedro Álvares Cabral em solo sul-americano. O que não sei é se até Marcelo desconhece que a data foi oficialmente consagrada

como “Dia da Comunidade Luso-Brasileira, por proposta do Senador Vasconcelos Tavares – o autor da chamada “lei da Amizade”, a Lei nº 5270 de 22 de abril de 1967, consensualmente aprovada e saudada.

Portugal aderiu ao espírito dessas celebrações, mas só excecionalmente lhes deu a visibilidade e o significado que têm do outro lado do mar. Desde 1974, isso apenas terá acontecido, a nível governamental, por três vezes, nos finais da década de oitenta, nas cidades de Guimarães, Ponte do Lima e Belmonte, quando eu estava à frente da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e decidi assumir a sua organização.

É certo que, desde que a “Lei da Amizade” entrou em vigor, há mais de meio século, as comemorações se têm centrado, mesmo no Brasil, quase sempre, a nível estadual ou municipal (São Paulo e Santos são os exemplos mais citados) ou sido organizadas em conferências, sessões solenes e festas populares promovidas pela sociedade civil, em especial, pelo movimento associativo português e luso brasileiro, de norte a sul, de leste a oeste do território.

Em Portugal, neste século, poucas foram as iniciativas registadas no Google, cuja consulta sugiro a quem queira informação adicional sobre a matéria.

É interessante notar que Espinho parece ter sido o único Município do país a celebrar, por sua própria iniciativa, esta efeméride! Corria o ano de 2011, era eu a vereadora da Cultura e dei uma pequena mostra da teimosia de remar contracorrente. Espinho voltaria a inscrever-se no seleto grupo de autarquias que faz parte da história destas comemorações em solo nacional, na modalidade de parceria ou patrocínio de “proposta alheia”. A proposta fora da “Associação Mulher Migrante”, que trouxe à cidade, salvo erro, em 2017, um membro do Governo, o Dr. José Luís Carneiro. Na sua qualidade de responsável pelas Comunidades, ele voltaria a participar em cerimónia semelhante no ano seguinte, em Monção, (também por impulso da “Mulher Migrante”), dando-lhe chancela governamental.

Na minha pesquisa, sobre esta efeméride, no “Google” o que mais encontrei foram cartazes, coloridos com predominância do verde comum às duas bandeiras, anunciando o programa de eventos, da autoria das mais diversas entidades e instituições privadas. Um houve a que achei especial graça, como fã de futebol (que, note-se, se está tornando campo privilegiado de união dos dois países): tinha a imagem de um Pepe sorridente, e homenageava, no Dia da Comunidade Brasileira, cinco atletas nascidos no Brasil, com estatuto de “ídolos dos Portugueses”: além de Kepler Leveran de Lima Ferreira (Pepe), Luisão, Deco, Derlei e Jonas!

3 – Por ignorância ou descaso da “classe política” vamos, sem dúvida, perder uma oportunidade fantástica de dar notoriedade ao Dia da Comunidade Luso. Brasileira, focando as atenções no incomparável elo de ligação entre os dois países que constituem os seus emigrantes/imigrantes, a comunidade real, compostas pelas pessoas, muito anterior à leis que a consagram e à retórica política da fraternidade ,que, numa das múltiplas sessões solenes em que participei, descrevi deste modo: “A comunidade luso-brasileira é uma realidade humana, histórica, sociológica, linguística, cultural, afetiva, em suma, uma história de famílias, e, com elas, de nações, (enquadradas num Estado, primeiro, seguidamente em dois), que antecede em séculos a sua consagração na esfera do Direito interno e internacional”.

Bem melhor do que eu o dissera António Cândido, em 1900, no Teatro São João, do Porto, lembrando o 400º aniversário do Brasil: “A colonização do Brasil é, para Portugal, a máxima honra, entre todos os títulos da sua benemerência histórica. […] se por fatalidade acabássemos, figurando a hipótese extrema de uma catástrofe, que submergisse esta parte do continente europeu […], lá ficariam no Brasil, para sempre, o seu sangue, a sua alma, a sua língua, e não em mudos monumentos ou em silenciosos arquivos, mas na perene e irradiante expansão de uma vida, a que foi a nossa, variada e progressiva no indefinido tempo e no ilimitado espaço”.

Seria bom levar os nossos mais altos responsáveis da República a lerem, ou relerem, António Cândido e Joaquim Nabuco, que no Rio de Janeiro, por essa altura, com não menor erudição, disse praticamente o mesmo.

Na verdade, passado mais de um século, ambos continuam, felizmente, atuais. A comunidade luso-brasileira permanece igual a si própria, e vai em crescendo. E, com isso, nos promete um longo futuro.

Manuela Aguiar

Ex-vereadora da CM Espinho e secretária de Estado das Comunidades