A visita anunciada

Flores coloridas misturadas com a brancura das pascoinhas, eram colocadas na entrada das casas, anunciando que se desejava a entrada da visita Pascal. Praticamente todas as casas da aldeia aceitavam este ritual, preparando-o antecipadamente com muito cuidado. A Páscoa chegava com a primavera, luminosa com o sol e alegria no ar. Significava vestidos novos e as casas a brilhar. Aproveitava-se o bom tempo para dar uma verdadeira limpeza a fundo à casa: as carpetes eram lavadas e expostas nos muros ao sol, as cortinas eram lavadas ou mesmo renovadas, as paredes – amareladas pelo fogo da lareira do longo inverno – eram lavadas e o soalho era sujeito a uma lavagem profunda onde a escova não faltava e, depois, novamente encerrado. Lavavam-se as rendas dos louceiros.  Tiravam-se das arcas as toalhas mais bonitas e delicadas para colocar em cima da mesa, onde seria colocado um banquete para a visita Pascal. 

Lembro-me da avó Libânia não prestar, nessa altura, muita atenção às crianças da casa que chegavam das férias escolares, porque havia muitas tarefas para tornar esta festa um primor. Lembro-me de a ver enfeitar a sala principal com jarras repletas de flores para receber Jesus Ressuscitado, simbolicamente presente na cruz – a principal visita anunciada pelo som alegre da campainha, a tilintar a tilintar… 

O compasso pascal era composto pelo prior, pelo crucifixo, pela caldeira da água benta, pela campainha e pelo saco que recolhia o folar, que era a quantia de dinheiro que cada um tivesse intenção de dar. 

Este ritual, nas aldeias, manifestava-se em cortejo, engrossado por outras pessoas da freguesia, para além dos convidados, que invadiam a casa para apreciar o espaço e deliciarem-se com o banquete preparado para a ocasião.

Em cima da mesa, estava o folar, os bolos, as amêndoas e cálices para o vinho. As iguarias eram muitas e em quantidade para durar pelos dias seguintes. Como a avó Libânia dizia, era preciso haver fartura a perdurar por muito tempo, pois como se dizia: as iguarias não ganhariam bolor, porque tinham sido benzidos na visita pascal.  Este pensamento é revelador da importância que as pessoas davam a esta visita, como um ato de fé, de alegria e de esperança.

O prior, após cumprimentar a família, geralmente posicionada na entrada da casa e espalhados em torno da mesa de iguarias, benzia os presentes com água benta, à medida que proferia a mensagem de paz e alegria. Depois, levava a cada um, a cruz de Cristo para ser beijada.

Esta é a saudade da Páscoa da minha meninice. Lembro-me de anos mais adiantes, já com filhos, continuar a passar a Páscoa no Minho verdejante e maravilhoso e verificar que todos os rituais se mantinham, embora já não houvesse banquete e tudo passara a ser mais formal e cerimonioso. Lembro-me das mudanças que foram acontecendo por já não haver padres suficientes para assegurar estas visitas, passando a ser seminaristas. Foi numa visita Pascal que aconteceu algo insólito com um jovem seminarista que liderava o cortejo Pascal. Chegou a nossa casa com um ar muito divertido e descontraído. Voltando-se para o ajudante, disse ao entrar na porta principal “Ora, passa para cá o caldeiro!” 

O pai do meu marido, o anfitrião da casa, ficou chocado e de imediato exclamou com rispidez: saia imediatamente e volte a entrar com a dignidade que este ritual merece e o respeito a esta casa também! 

Fiquei aterrorizada ao ouvir isto e em suspense para ver qual seria a reação do jovem seminarista. Este, deu meia-volta, saiu para o alpendre e voltou a entrar, já muito sério. Seguiram-se os rituais do benzer o espaço e a família e dar a beijar a cruz de Cristo. 

Não sei se o seminarista seguiu a carreira eclesiástica, mas certamente que não esquecerá nunca mais este episódio. 

A Páscoa era sempre, tal como o Natal, o encontro da família. Às vezes, ingratamente, lamentávamos não podermos partir para umas miniférias para outros locais, porque havia o ritual da festa da Páscoa como uma celebração da família. Hoje, depois dos nossos pais partirem, a Páscoa já não tem o mesmo sentido. Agora que podemos partir para férias, temos saudades de quando não as podíamos fazer.

Assim, a Páscoa do passado permanece na minha memória e, ainda hoje, lembro os sorrisos abertos dos mais velhos, a alegria das crianças irrequietas e felizes e, ao longe, muito longe, parece que ouço a campainha a tilintar, a tilintar, anunciando a tão esperada Visita … E, entretanto, a Páscoa passou. Há ainda vestígios de flores espalhadas no chão da entrada. Resta a esperança de que ela tenha deixado o espírito da renovação.

Arcelina Santiago

Professora