Ana Madsen nasceu em Espinho e é professora da Católica Porto Business School (CPBS). Doutorada em Economia e Sistemas de Mercado do Pescado, em conjunto com Tomás de Guedes Carvalho, aluno da licenciatura em Gestão, desenvolveu um projeto da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe (ANICP), que conseguiu uma descida do IVA na indústria das conservas, de 23% para 6% em janeiro passado. Um trabalho intenso de três anos, alicerçado em estudos e cálculos, que refletiam as vantagens da redução para a dinamização do mercado nacional.

Como foi o seu percurso escolar?
Estudei na Escola Dr. Manuel Gomes de Almeida e já na faculdade, em 2000, fiz Erasmus na Dinamarca, em Aarhus. Regressei a Portugal e terminei a licenciatura na Universidade Católica. Fui trabalhar para a Deloitte, mas meio ano depois despedi-me e regressei à Dinamarca para fazer o mestrado em Business Performance and Excellence. Percebi que as realidades em diferentes e que as oportunidades existem.

E foi na Dinamarca que acabou o doutoramento?
Na Dinamarca tive um excelente professor que me convenceu a concorrer ao doutoramento. Eram 19 pessoas, todas dinamarquesas, à exceção de uma, eu. Entreguei a candidatura no último momento e perguntei quantas pessoas tinham feito o mesmo. A funcionária disse-me que era a única que não era dinamarquesa e, por isso, pensei que nunca iria conseguir a bolsa. A verdade é que consegui. Percebi que lá não há as famosas cunhas e as ligações familiares para chegar ao sucesso.

É nessa altura que surge o interesse pelas questões económicas relacionadas com o consumo do peixe?
A minha tese de doutoramento foi sobre o consumo de peixe, numa perspetiva económica, na Dinamarca e em Portugal. Verifiquei que os portugueses são os terceiros, no mundo (per capita), a consumir peixe. Isso intrigou-me porque as nossas pescas não são as melhores nem as maiores. Curiosamente, a Dinamarca tem uma frota pesqueira enorme, quase tão grande como a espanhola. No entanto, não são grandes consumidores de peixe. No fundo, a minha tese consistiu em explicar por que razão a Dinamarca, com tanto pescado, era uma parca consumidora e como os portugueses, com uma indústria pesqueira pequena, consumia tanto pescado (60 quilos per capita por ano) face aos 20 quilos dos dinamarqueses. Recorde-se que a média europeia está nos 23 quilos per capita e à frente de Portugal só está a Noruega e o Japão.

Foi um trabalho que acabou por lhe dar alguma notoriedade…
O tema teve muito impacto e a Universidade elaborou um artigo sobre mim e o projeto. A partir daí, o tema teve uma projeção mediática enorme com entrevistas televisivas.
A tese foi financiada pelo ministério das Pescas e da Agricultura da Dinamarca e recebi um contacto do próprio titular da pasta. Foi como uma bola de neve. Cheguei a cozinhar peixe naquele país, no palácio de um apresentador da TV dinamarquesa muito famoso, Mik Schacks, que leva várias figuras públicas ao programa. Fiz bolinhos de bacalhau e cozinhei sardinhas. Naturalmente que perguntei à minha mãe como se cozinhava (risos). Em vários programas expliquei como era a nossa cultura e como Portugal atingiu os níveis de consumo de peixe e que, ainda hoje os mantém. Para os dinamarqueses, por exemplo, comer uma dourada não é muito conveniente porque tem espinhas.

Como se adaptou à língua dinamarquesa?
Não necessitamos falar dinamarquês pois qualquer pessoa fala muito bem inglês. Os meus avós tinham a quarta classe, mas os avós do meu marido, que é dinamarquês, já tinham o 12.º ano como ensino obrigatório. Eles falavam inglês e alemão para além do dinamarquês. Pela Dinamarca não há analfabetos nem pobres.
Atualmente falo dinamarquês e dou aulas nessa língua. Todos os objetos têm uma versão portuguesa e também dinamarquesa. No início do meu casamento, o meu marido começou a colocar post-its em todos os lugares da casa para aprender os nomes dos objetos. Mas confesso que foi quando nasceram as minhas filhas que comecei a saber mais.

Apesar de serem realidades diferentes, acabou por regressar a Portugal e a Espinho, porque?
Sete anos depois de casar, após o nascimento da minha filha mais velha, decidi que não aguentava mais aquela cultura. É tudo muito certinho e sem atrasos. Os documentos são imediatamente aprovados porque não há burocracia, não há filas de espera em hospitais e quando temos uma criança, a pediatra, do Estado, vai a nossa casa.
Após o nascimento da minha filha tive o direito de ficar um ano em casa, mas ao final de sete meses pedi para voltar ao trabalho. Não era por dinheiro, mas por saúde mental. Foi nessa altura que senti vontade de voltar para Portugal. A ama da minha filha não lhe dava sopa quente, mas uma salsicha e um pepino para cada mão, com molho de maionese. Isto incomodava-me porque a minha filha tinha genes portugueses.
O meu marido é empresário na área do têxtil e como é tudo produzido fora da Dinamarca acabou por não ser difícil vir para cá. Ingressei como diretora de um curso do IPAM onde permaneci até 2011. Depois fui para a Universidade Católica de Viseu e fui dar aulas de gestão ao curso de Direito da Católica. Tive de me adaptar.

Já trazia alguma experiência da Dinamarca como professora?
Quando fazemos o doutoramento temos de dar aulas. Em 2001 comecei a lecionar a cadeira de Ciência do Consumo durante cinco anos.

Mas em Portugal sentiu-se mais à-vontade!…
Foi um alívio em termos culturais. A minha mãe, quando estava na Dinamarca, mandava-me embalagens de Nestum e de Cerelac para a minha filha! Fez-me muito bem o sol português e o mar de Espinho. Lá tinha o mar, mas não havia esta luz natural. Em fevereiro, quando vinha a Portugal, pedia à minha mãe para por a mesa no jardim para fazermos lá as refeições.

Por que razão escolheu a Universidade Católica para dar aulas?
Foi a que mais se aproximava do ensino na Dinamarca e da Universidade Juan Carlos, em Espanha, onde também tive aulas. É um modelo de ensino que funciona. Ao final de cada meio ano tenho de explicar à minha universidade o que fiz durante esse tempo! Por exemplo, há universidades em Portugal em que o professor demora imenso tempo a lançar as notas. Na Católica tenho três dias para o fazer! Por outro lado, esta era a minha casa porque foi a universidade onde me formei.

O seu marido adaptou-se a Portugal?
Adaptou-se muito bem. Criou uma empresa em Barcelos e adaptou-se muito bem a Espinho. Neste momento, vou a qualquer lado e já me conhecem pela mulher do Ricki. A empresa está ligada ao têxtil e já tem mais de 100 funcionários.

Como chegou às conservas?
Na Dinamarca fiz um trabalho para a Will Greenland e cá em Portugal fui convidada para trabalhar com a Pescanova, concorrente da marca dinamarquesa. O trabalho que fiz na Dinamarca teve tanta projeção mediática que as empresas acabaram por me chamar. Foi uma bola de neve que fez com que chegasse à Isabel Tato que é quem está à frente da Associação Nacional dos Industriais de Conserva de Peixe (ANICP) e que tinha o sonho de baixar a taxa do IVA das conservas de 23% para 6%. Temos de incentivar a produção de conservas porque os nossos grandes concorrentes são a Espanha, Grécia e França, países que aplicam taxas mínimas. Nós tínhamos a taxa máxima!

Como foi esse contacto?
A Isabel Tato propôs-me fazer um projeto financeiro para explicar ao Governo de Portugal o impacto que teria nas contas se baixássemos o IVA nas conservas de 23 para 6%.
Pensei desde logo que a minha profissão, professora universitária, seria a melhor oportunidade para um trabalho destes porque tenho os melhores alunos e, de todos, sei quais são os que mais se evidenciam.
Há cerca de três anos, encontrei o Tomás Guedes Carvalho que é um aluno extraordinário. Não poderia fazer este trabalho sozinha, por isso, entrei em contacto com ele para lhe propor que trabalhássemos juntos neste projeto.

Artigo completo na edição de 11 de maio de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.