No Bairro Moderno e no Bairro das Pérolas, as habitações podem não ser sociais, mas o espírito de comunidade é o mesmo. Os moradores já levam décadas de uma vida partilhada e, à semelhança dos espaços públicos, vão sentindo os problemas a acumularem-se e lamentando a falta de respostas.
Viver num bairro é uma experiência única e conhecida apenas por quem já experimentou esta realidade. Em Espinho, à semelhança de outras cidades do país, existem alguns conjuntos habitacionais, praticamente invisíveis a partir das ruas em que se situam.
Muitos deles, não tão populares como o Bairro da Ponte de Anta, ou da Marinha, passam até despercebidos para alguns cidadãos. No Bairro Moderno, localizado entre a rua 33 e a rua de Santo António, em Silvalde, existem 20 casas.
Tem duas entradas, mas é pela rua 33 que se encontra a principal e a mais usada pelos vários moradores. A placa de indicação à entrada não deixa margem para dúvidas: é por ali o acesso a um pequeno mundo, repleto de imensas estórias, sacrifícios, conquistas e algumas lutas.
É ao longo de um corredor estreito que se alinham as habitações. Os vasos com plantas e algumas flores são características típicas e comuns das casas que se avistam. Por ser um mundo algo fechado, caras desconhecidas são rapidamente e não muito disfarçadamente analisadas. No entanto, a estranheza facilmente se torna em simpatia, ajuda e afeto. No meio do silêncio, sobressaem os pássaros, ouvem-se as buzinas bem lá atras e, de vez em quanto, um automóvel acede ao bairro. “Boa tarde”, dizem-nos timidamente.
Geração mais antiga está há 50 anos
Margarida Ventura é uma das residentes. Diz-nos, com orgulho, que em dezembro próximo cumpre 50 anos desde que se mudou para ali. “A minha vida no bairro começou porque o meu marido foi para o Ultramar e eu fiquei a viver com a minha sogra. Nessa altura, já tinha um filho, mas queria outro e, como não tinha condições para isso lá, tive que sair e procurar outras opções”, conta-nos, lamentando não ter conseguido construir a sua própria habitação.
Das 20 casas do Bairro Moderno, cinco são de tipologia T3 e as 15 restantes são T2. Todas estão disponíveis em formato de arrendamento, não tendo sido, até hoje, vendida qualquer casa aos moradores.
Margarida Ventura revela que isso já esteve em hipótese, mas por questões burocráticas nunca foi possível. “Tenho um terreno nas traseiras onde vivia a minha sogra e, na altura, queria lá fazer uma casa, mas a Câmara Municipal não autorizou. Então acabei por vir para aqui porque me dava jeito, uma vez que era perto de casa da minha sogra e, assim, ela podia tomar conta do meu filho. Mais tarde, a minha filha já nasceu no bairro”, recorda Margarida.
Num “tempo difícil” para muitas famílias, Margarida Ventura e o marido lutaram por uma habitação no Bairro Moderno. “Lembro-me que fui falar com a senhoria dessa época. Informou-me que a casa já estava prometida para outras pessoas, mas que, em princípio, não a poderiam pagar”, conta-nos, esclarecendo que a procura sempre foi substancial e as casas nunca estavam muito tempo vazias.
Margarida aproveitou para informar a senhoria sobre o que pensava acerca da renda. “Disse-lhe que achava que era muito dinheiro, até porque o anterior morador pagava apenas 400 escudos”, (dois euros na moeda atual) recorda, dizendo que lhe propuseram o valor de 1200 escudos (seis euros). “Confesso que vim para aqui com muita dificuldade, vim pagar uma renda cara, mas os meus sogros, como tinham algumas possibilidades, sempre nos disseram que se precisássemos se disponibilizavam para nos ajudar”. Face à desistência da família que estava interessada, Margarida Ventura e o marido conseguiram a desejada “casinha”, como carinhosamente a apelida.
Quem também vive no Bairro Moderno é Maria Encarnação e Manuel Santos. Já contabilizam 51 anos de residência e o casal não esconde que não vislumbra qualquer possibilidade de mudança.
Reportagem disponível, na íntegra, na edição de 25 de janeiro de 2024. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€