Nova guerra fria ou a emergência de uma nova ordem geopolítica mundial

A aceleração tecnológica e a abertura de economias outrora fechadas às relações internacionais, impulsionou os processos de integração económica no contexto da globalização, numa ‘era’ favorável à eliminação de barreiras comerciais, na China e noutros mercados emergentes, com uma cooperação económica internacional sem precedentes, que se traduziu em níveis crescentes de relações comerciais e de crescimento económico que desconsideraram a geopolítica.

O ciclo de integração económica mundial foi impactado, primeiramente, com a ocorrência da crise financeira de 2008. Numa economia interconectada, encontrando-se vulneráveis a volatilidades e riscos, as economias desaceleraram o ritmo da integração económica e da globalização, com medidas restritivas, expressa em conflitos comerciais e tecnológicos, por exemplo, entre os Estados Unidos da América (EUA) e a China, e em disputas na Organização Mundial do Comércio que não têm alcançado a resolução para as situações apresentadas.

Com a crise pandémica e os conflitos surgidos no pós pandemia, com especial relevo pela invasão da Rússia à Ucrânia, e o recrudescimento do conflito israelo-árabe, a par de preocupações de segurança tecnológica e cibernética, as questões geopolíticas têm vindo a sobressair novamente no panorama geoeconómico mundial.

Esta tendência global de slowbalization caracteriza-se pela desaceleração da globalização e da integração económica global, impondo uma retracção ou selecção nas relações comercias e movimentos de relocalização de investimentos, e numa maior selectividade de relações comerciais, presidida não por razões económico-financeiras, mas sim determinantemente influenciadas por razões geopolíticas, que se espelha na fragmentação geoeconómica, que se traduz na retracção de relações comercias entre ‘blocos’ e numa intensificação de relações comerciais internas a esses mesmo blocos geopolíticos.

O efeito da crise pandémica, que evidenciou vulnerabilidades das economias face a dependências nas cadeias de produção e de abastecimento, a circunstância das sanções impostas à Rússia por várias economias, e o posicionamento face ao conflito israelo-árabe são paradigmáticos da tendência de fragmentação geoeconómica mundial e da retracção e selecção de relações comerciais tendo por base o enquadramento geopolítico.

Para este entendimento, é necessário considerar que a integração decorrida nas três últimas décadas, trouxe uma revolução na composição e estrutura das economias, com uma recomposição entre as seis maiores economias mundiais.

Em 1995, a União Europeia apresentava-se como o maior espaço económico mundial, representando 26,5% da economia mundial, secundada pelos EUA com 24,4%. O Japão era a terceira maior economia, com 17,7%, seguindo-se Reino Unido (4,3%), Brasil (2,5%) e China (2,4%).

Em 2023, os EUA são actualmente a maior economia mundial, representando mais de ¼ da economia mundial (26,1%), demonstrando uma resiliência assinalável à recomposição dos maiores blocos económicos mundiais.

Com a integração na Organização Mundial do Comércio, em 2001, a China evidenciou um crescimento incrível em pouco mais de duas décadas, passando de 2,4% para 16,9%, ambicionando tomar a liderança da economia mundial, e competindo com a União Europeia pela segunda posição no ranking mundial, que desceu o peso da sua economia de 26,5% para 17,5%.

O Japão sofreu uma quebra acentuada de 17,7% para 4,0%, posicionando-se como a quarta maior economia, acima do Reino Unido (3,2%) que tem demonstrado bastante resiliência face à ameaça de outras economias, embora ultrapassado pela Índia que é agora a quinta maior economia do mundo (3,4%).

O crescimento económico galopante verificado na China, e a emergência de outras economias em crescimento, proporcionam condições de estabelecimento de blocos económicos, certamente competitivos, mas com enquadramentos geopolíticos diversos, com consequências imprevisíveis e preocupantes.

O exemplo paradigmático apresenta-se com o caso das sanções impostas pelo bloco ocidental à Rússia, na sequência da invasão à Ucrânia. Na expectativa que tais medidas, pudessem surtir efeitos de dissuasão da Rússia perante o sucedido, e levar ao enfraquecimento da sua posição, o certo é que se deu uma reconfiguração tal nas relações comerciais entre diversos países.

Num ano, de 2021 para 2022, as exportações da Rússia com destino à Europa Ocidental reduziram-se de 49% para 40% do volume de exportações russas; as importações russas tendo como origem a Europa Ocidental reduziram-se de 48% para 32%; as relações comerciais com a Rússia representavam cerca de 12% do comércio externo da União Europeia, e reduziram-se para um peso inferior a 2%.

Por outro lado, se as relações comerciais entre a Rússia e a Europa Ocidental se reduziram a muito pouco, as relações comerciais da Rússia com outras economias verificaram aumentos significativos: a China que já era o destino primeiro das exportações russas, aumentou de 14,8% para 20,7% o seu peso; e a Índia que tinha um peso residual nas exportações russas, aumentou significativamente de 1,57% para 8,31%, tornando-se o segundo maior comprador de produtos russos.

Semelhante reconfiguração se dá nas importações para a Rússia, que já tinha na China a economia de origem de 24,8% das suas importações, tendo aumentado para 38,6%; reduzindo-se as importações provenientes da Europa Ocidental, a Rússia encontrou na Turquia (4,74%) e no Cazaquistão (4,50%) novos parceiros comerciais, entre outros parceiros crescentes no âmbito do BRICS+.

Ressurgem, pois, de forma intensa, as questões geopolíticas à cena económica internacional, nunca deixando de descurar os princípios e o enquadramento político que presidem às economias em tensão entre blocos económicos que emergem na cena mundial posicionando o bloco ocidental, com enfraquecimento da Europa Ocidental e a resiliência norte-americana, face ao bloco alternativo fundado no crescimento e liderança da China, secundada por economias emergentes

Uma nova guerra fria ou a emergência de uma nova ordem geopolítica mundial que opõem visões políticas e de liberdade distintas. A questão será a de saber se teremos uma nova guerra fria, sustentando a liderança e a resistência do mundo democrático e livre, aspirando a recomposição da nova ordem mundial sem ameaças à democracia, à liberdade, à livre circulação de ideias, pessoas, bens e capitais, ou… Será que viveremos subjugados a uma nova ordem mundial liderada por países onde imperam ditaduras e autocracias?

Escrito em desacordo ortográfico.

Tito Miguel Pereira
Consultor