A última vez que tivemos medo

Em Agosto quando os números da pandemia estavam nos seus níveis mais baixos, escrevi aqui um artigo a alertar para os perigos que viriam quando o bom tempo acabasse. Era essa a altura certa para falar nesses perigos e para se ter preparado para eles. Nessa altura, o governo andava mais preocupado em ter corredores aéreos abertos do que em antecipar tudo aquilo que seria necessário para uma segunda vaga. Agora em plena segunda vaga é tarde para planear e resta remendar. Esperemos que a falta de planeamento não resulte na perda de vidas, embora isso me pareça quase inevitável na altura em que escrevo.

Tal como em Março, voltamos a ter medo. Menos do que naquela altura, mas com mais razão para isso porque os números são bastante maiores e, ao contrário, de Março, o Verão que se esperava que aliviasse o peso, ainda está muito longe. Mas tal como em Agosto foi a melhor altura para alertar para a possibilidade uma nova vaga, agora é a melhor altura para falar nos erros que não podemos cometer devido ao medo.

Em Março, com medo, fechamos as escolas e deixamos milhares de alunos sem o acompanhamento devido. Prejudicámos o seu futuro quando em muitos países europeus mais desenvolvidos a reabertura das escolas foi a prioridade. Muitos alunos que dependiam da escola para muito mais do que aprender, perderam esse suporte. É muito difícil que os custos que sofreram na altura fossem maiores do que os riscos que correriam com a doença. Por muito medo que exista nas próximas semanas, não podemos repetir esse erro.

Em Março, com medo, ignoramos alguns dos efeitos na economia. Como julgávamos que era por pouco tempo, não houve problemas em fechar. Hoje sabemos que pode não ser por pouco tempo e que nos arriscamos a ter pessoas a morrer da cura do confinamento. Devemos ter a coragem de balançar o medo legítimo do vírus com o medo também legítimo de quem vê os seus negócios e a sua vida destruída. Hoje parece haver mais sensibilidade para essa questão. Em Março qualquer pessoa que falasse na importância de manter a economia a funcionar era tratado de assassino para baixo. Hoje, por maus motivos, já não é assim e é bom que não seja. Um equilíbrio entre as duas coisas é importantíssimo por vários motivos, mas há um que hoje se nota mais do que há 7 meses: o cansaço pandémico. Uma coisa era a economia fechar quando se pensava que era para um mês, algo grave, mas recuperável para muitos negócios. Outra coisa é esta insegurança de estarmos na mesma situação há tantos meses, de haver negócios a perder dinheiro de forma constante e sem saberem quando acabará. Esta situação pode levar ao cansaço pandémico em que as pessoas desesperadas pelo que as medidas de restrição fizeras às suas vidas fiquem receptivas a todas as teorias que lhes assegurem que elas são inúteis. Que passem a ignorar as medidas todas e assim ajudar a propagação do vírus. (…)

Carlos Guimarães Pinto
Economista / Professor universitário

Artigo exclusivo da edição impressa, de 19 de novembro de 2020. Assine o jornal que lhe mostra que lhe mostra Espinho por dentro, a partir de 28,5€.