A 500.ª primeira pedra no caminho

“Vai avançar a construção do estádio”. Não sei bem quantas vezes escrevi estas palavras – e o seu exato sentido de tantas formas diferentes – enquanto era jornalista num jornal da cidade. Foi há mais de dez anos. Mas também poderia sido ontem. Não pesquisei, mas alguém, nos últimos 40 anos, também deve ter andado às voltas com a recorrência do tema. Já se tornou uma espécie de anedota.

Depois de assistir aos quase divertidos lançamentos de mais uma “primeira pedra” em cerimónias de atirar areia para os olhos, parece que a coisa vai mesmo acontecer. Esta semana, não falharam as canetas e lá se assinou o auto de consignação, que é como quem diz foi dada ordem para construir o Estádio Municipal de Espinho. Acho que até o momento num casamento em que alguém se pode pronunciar contra ficou lá atrás, mas até ver as máquinas ligadas no terreno e alguma coisa a crescer, nunca se sabe. E mesmo assim…

Isto tem lugar mais ou menos um mês depois de ter chegado o visto do Tribunal de Contas com um parecer favorável à minuta do contrato com a empresa vencedora do concurso público. Uma luz verde que foi anunciada algures no verão do ano passado, permitindo o início da construção em outubro, mas que, afinal, era mais amarela que verde. Porquê? Mil motivos administrativos no TC que ninguém sabe. E – quiçá – uma pandemia a trocar as voltas em tudo, a atrasar todo e qualquer processo, vá. Naturalmente.

Este que se vai erguer é o estádio da cidade e deve servir uma série de propósitos – desportivos, culturais, sociais. Poderiam faltar muitas outras coisas à cidade, podemos questionar uma ou outra opção de edificação, mas – e admito que esta não seja uma opinião consensual – Espinho não ter um estádio talvez não fizesse grande sentido. Em vários aspetos, inclusive pela potencialidade extra-futebol de um equipamento desses (depois do estádio, tratamos do recinto de hóquei em campo da Académica de Espinho e ficam as promessas cumpridas, que tal?).

Até aqui tudo certo. Agora…escusam de vir chamar-lhe o estádio do Sporting de Espinho. Porque o estádio do clube é o “comendador” das memórias (para outros, o D’Avenida, claro) onde fomos muitos felizes (e muitas vezes nem tanto assim). O estádio do nosso Espinho é aquele que o clube deixou cair, é aquela ruina ali plantada e que deve envergonhar muito quem não lutou por ele. Não os sócios, não a autarquia, cuja luta não lhes pertencia. Todos sabemos quem e já nem isso importa. Mas esta é uma cedência, não uma obrigação, e as palavras importam.

O futuro Estádio Municipal de Espinho vai acontecer, mas é, obviamente, um processo que teve que viver o seu tempo. Anunciado em 2017, levou tempo até ao dia desta assinatura e levará até à conclusão das obras (é uma obra, vá, não esperemos milagres. E quanto a intervenções eternas na cidade, também já estamos por tudo, não é?). E isto demorou também porque, por muito que custe a muitos, há prioridades. Verdade seja dita, por 4,47 milhões de euros (1,8 milhões de um empréstimo bancário e o restante do orçamento camarário), haveria uma longa lista de coisas onde a cidade poderia estar a trabalhar, ainda para mais num contexto como o atual. A oposição não se esqueceu de o referir, e não deixa de ser compreensível. As discussões não remontam sequer apenas a este executivo. Mas a coisa andou para a frente. Não agradou por unanimidade, mas andou. Se calhar até correu mais que a equipa nesta fase do campeonato.

É claro que o Sp. Espinho precisa de uma casa e que grande parte da sua viabilidade passará por poder jogar num espaço que não implique uma despesa constante como a das últimas épocas a jogar em Fiães e Ovar. E sem poder contar com receitas de bilheteira. O clube atravessa (mais) uma altura difícil e, finalmente, um dos seus problemas está a 660 dias de ser resolvido (menos até, porque parece que é possível começar a jogar no estádio antes de as obras estarem totalmente concluídas e ainda bem). Quero apenas lembrar que não é isso que o vai tirar do buraco desportivo onde se encontra. Até lhe podíamos dar um Maracanã, um Santiago Bernabéu ou um Internacional do Cairo (eleito em 2020 o melhor estádio do mundo) que nada disso paga salários nem marca golos. Mas que vai ser um luxo nos distritais, isso sem dúvida! Apoiar a luta da equipa pela subida num estádio com cadeiras, iluminação e num terreno que não se pareça a um campo de batatas vai ser uma estranha alegria.

Cláudia Brandão
Jornalista

Artigo publicado, na íntegra, na edição de 04 de fevereiro de 2021. Assine o jornal que lhe mostra que lhe mostra Espinho por dentro, a partir de 28,5€.