Diálogo e monólogo em democracia

1– O Presidente Joe Biden, que, aos 78 anos, foi, nos EUA, o mais velho a tomar posse nesse cargo e se revelou, em poucas semanas, o mais rápido a tomar medidas governativas, participou, no passado mês, na sua primeira “Town Hall”, transmitida pela CNN para o mundo.
Para quem não sabe exatamente o que isto é – como eu não sabia, antes de me converter em telespetadora habitual da CNN – começo por dizer que não é o que parece. Também se pode designar, mais explicitamente, por “town hall meeting”, mas o sentido americano dessa realidade continuará a escapar-nos se traduzirmos por “reunião de Câmara”. Não é isso, bem pelo contrário…
É sinónimo de diálogo democrático, lembra, porventura, a sua origem na “civitas”, porém, o lugar concreto da fórmula “Town Hall /reunião”, há muito, perdeu a sua umbilical ligação autárquica. Tanto pode realizar-se num salão municipal, como num anfiteatro universitário, num teatro, num hotel. Um exercício democrático em modelo, infelizmente, desusado na nossa cultura.

2 – Há, em Portugal, aproximações a este “happening”, as mais interessantes das quais terão sido conseguidas nas “presidências abertas” do Doutor Mário Soares. Também se poderão considerar, na categoria de “sucedâneos”, as “sessões de esclarecimento”, que estiveram em voga no período pós revolução, mas que, com o decurso do tempo, se foram rarefazendo, como se o diálogo sobre políticas ou medidas concretas, (apenas pensadas, já em execução, ou executadas), à medida que avançava a democracia, se tornasse mais e mais supérfluo. Fomos, obviamente, no sentido errado! Aumentaram conferências de imprensa restritas a jornalistas e, por vezes, sem período de perguntas e respostas, entrevistas dos mesmos profissionais dos media, mais ou menos independentes, debates entre políticos (que sobem em flecha quando se aproximam eleições), mesas redondas de comentadores, em que os homens, brancos, de meia-idade e lisboetas, predominam largamente, ou uma mistura destas modalidades, em moldes originais gizados por um programa de rádio ou televisão.
Os governantes preferem, (sempre!) responder, não a interlocução direta do povo, mas a dos seus representantes eleitos, os deputados, num parlamento dominado por aparelhos partidários. E respondem o menos possível! Dá uma ideia precisa do estado da nossa democracia, a drástica redução das sessões parlamentares de “perguntas ao Governo”, imposta pelo PS, partido no poder, e pelo PSD, o maior partido da oposição. Uma decisão que só tem paralelo noutra bizarra aliança dos mesmos partidos para limitar, deslealmente, a concorrência de listas de independentes às Câmaras e Juntas de Freguesia.
A nível autárquico, a situação não é muito diferente – os executivos são, periodicamente, questionados pelos eleitos nas assembleias municipais, mas os cidadãos dispõem de limitadas oportunidades de com eles dialogarem. Em Espinho, isso acontece num período antes da ordem do dia, com exigência de inscrição prévia, e, nos anos em que assisti, por dever de ofício, a Assembleias, posso asseverar que não aconteceu com frequência, e o impacto foi assaz diminuto.
Sessões públicas com membros do Executivo, como oradores? Só em comícios de campanha, para propaganda. É para o que servem, de igual modo, quase invariavelmente, as entrevistas nos media locais, ou nacionais.
A única iniciativa referendária de que me recordo, num Município, deveu-se a João Soares, em Lisboa – a família Soares, talvez não por acaso, aparece nas exceções à regra, que, neste domínio, me ocorrem… O referendo era sobre a construção de uma espécie de funicular para acesso ao castelo de São Jorge, e foi prontamente derrotada pelo sufrágio popular.

Joe Biden não disse coisas extraordinárias, mostrou-se, sim, um ser humano extraordinário. Conseguiu, a meu ver, o que queria: ser claro, partilhar, sem euforia nem temores, sem ameaças ou recriminações, o estado atual do seu conhecimento sobre assuntos do quotidiano em que, afinal, se joga o futuro.

3 – Foi este tipo de debate que Joe Biden e a CNN nos ofereceram, a partir de Milwaukee. Ao satisfazer dúvidas dos presentes no auditório – todos a distância recomendável, uns dos outros, e de máscara – ele respondia às perguntas de um mundo, onde as preocupações andam globalizadas.
Para quando a normalização da vida? Talvez no Natal, talvez para o ano, por esta altura… mas os especialistas não dão certezas.
Reabertura das escolas? Sim, começando pelos primeiros anos, que não socializam excessivamente fora das aulas, mas só depois de planificar a divisão de turmas, em grupos mais pequenos, e de assegurar o transporte em perfeitas condições sanitárias.
A vacinação dos professores de classes em funcionamento efetivo, como grupo de risco? Está em estudo. Por aqui, onde ainda escasseiam vacinas para os grupos de risco, com menos de metade dos maiores de 80 anos inoculados com apenas a 1.ª toma, vacinam-se corporações inteiras, não só médicos – vá lá… – mas, também, bombeiros, PSP, GNR, e agora, professores e pessoal das escolas! E pouco importa que se trate de jovens saudáveis, de 20 ou 30 anos, a trabalhar em ambientes que a propaganda governamental qualificava de “muito seguros” (os únicos que tiveram a decência de recusar a ultrapassagem dos mais idosos, foram os deputados – e bastantes!
Apoios à economia? Sim, e em força. “Now is the time to be spending”, segundo Biden (na Europa da Senhora Von der Leyen, tarda a “bazuca”, tardam as vacinas, suspendem-se vacinas – reinam a confusão, a suspeita, as meias verdades, feitas e desfeitas, no dia seguinte)..
O momento alto da “town hall” foi a conversa com uma menina de oito anos. A mãe, explicando que a filha andava assustada com a pandemia, quis saber: “Para quando a vacinação das crianças?”. Biden dirigiu-se, em linha reta, à criança, como um avô fala à neta, tranquilizando-a com informação científica, em linguagem acessível (“não precisas de vacina, pertences ao grupo de menor risco, estás segura”). E assim falou para todas as meninas e meninos da América…

Manuela Aguiar
Ex-secretária de Estado e Vereadora da CME