Vacinar ou não vacinar. Eis uma não-questão

Há pessoas que falam num nível sonoro de propósito para que toda a gente ouça. Fazer isso com a ajuda da projeção que uma estação de comboios num túnel potencia torna quase impossível não ouvir o que não se quer. E o que não me apetecia ouvir era que “desde que começámos a usar máscaras, o número de infetados subiu” ou ainda o típico “a mim ninguém me apanha na vacina, as pessoas continuam a morrer na mesma e aquilo tem efeitos piores que a Covid”.

Nessa altura, eu contava os dias para que a minha mãe recebesse a segunda dose e tinha passado pouco mais de uma semana de eu ter recebido a minha primeira. Se foi tudo imaculdamente perfeito tanto num processo como no outro? Claro que não. Se me passou pela cabeça não ser vacinada? Nunca. Se eu me julgo com a mínima legitimidade para me queixar? Nem por um segundo. A minha mãe tentou ir à “Casa Aberta” tomar a segunda dose, já que tinham diminuído o prazo entre tomas, mas voltou para trás porque não havia vacinas disponíveis. Teve que esperar até ao dia marcado.

Eu fiz o meu autoagendamento e recebi uma mensagem de confirmação apenas duas semanas depois. Felizmente, ligaram-me do centro de vacinação na Escola da Seara e pude ser vacinada no dia seguinte à chamada. Esperei uns quinze minutos, se tanto. Claro que há pessoas a esperar duas horas, ou mais, ao calor, à chuva. Mas sejamos humildes o bastante para reconhecer o esforço que tanta gente está a pôr no processo para que milhões sejam vacinados o mais rápido possível.

O pessoal que montou a operação logística praticamente de um dia para o outro, os assistentes e pessoal médico que foram retirados das suas funções, atrasando – e prejudicando, claro – o trabalho noutros locais. Antes de desatarmos a queixar-nos e a proferir insultos e reparos, lembremo-nos que ninguém está a fazer-nos um favor, ninguém nos deve nada. Pelo contrário, e felizmente foi isso que senti enquanto esperava aqueles trinta minutos no recobro, estamos todos a fazer a nossa parte (sim, eu sei que “todos” não é a palavra certa, mas já vou a essa parte da equação).

Enquanto olhava para o meu cartão com a data da segunda dose e via mais pessoas a chegar, muitos agora com a vacinação completa, pessoas com dificuldades de locomoção, pessoas a faltar ao trabalho, pessoas a deixar os filhos com alguém por uma horinha, senti-me parte de um processo muito importante. E senti que todos por ali sentiam o mesmo. Portanto, a todos os que desataram a mostrar nas redes sociais que já tinham sido vacinados: compreendo-vos, devem, sim, sentir-se orgulhosos e mostrá-lo ao mundo. Estamos a fazer a nossa parte, quais mosqueteiros, um por todos.

E somos nós que o estamos a fazer pelos outros todos que não se vão vacinar por opção própria. Segundo uma revista científica (aquelas fontes que, se todos nos baseássemos nelas, o mundo era mais fácil para toda a gente), por cada 20% de vacinados, diminui para metade a probabilidade de os não vacinados contraírem infeção. De nada, pessoas antivacinas. Cada um escolhe de que lado da história quer fazer parte.

Portanto, aceito que não queiram vacinar-se, que remédio. Mas não compreendo. Já me chegaram mil e um argumentos contra a vacinação e só o da fobia a agulhas é que me convence um bocadinho (uma fobia é um assunto sensível, vá).

O senhor da estação – que devia ter os seus 70 e alguns anos – diz que as pessoas continuam a ficar infetadas e a morrer mesmo depois de vacinadas. Tem razão. Mas, acredito, não terá visto as notícias que mostram como é nas faixas etárias mais baixas (ainda não vacinadas e, já sabemos, com os comportamentos mais perigosos para a propagação do vírus) que a doença mais tem crescido. E, com certeza, a memória não lhe permite voltar a janeiro deste ano quando, com mais ou menos os mesmos quatro mil infetados num dia, morriam 80 pessoas e não nove, como agora, além da impossibilidade de equiparar o número de internados. E dos 2,9 milhões de vacinados completamente, 0,1% terão ficado infetados. Mas quem quer saber de factos?

Lá o companheiro do senhor afirmava que era saudável, nunca tinha tomado a vacina da gripe e nunca tinha gripe. Se eu lhe podia ter dito que havia ainda 10% de hipótese de ele infetar alguém que não tem a sorte dele quanto à saúde, mesmo que essa pessoa tenha a vacinação completa? E que tomar a vacina diminui a carga viral em 40%? Podia. Mas ainda preservo a minha sanidade mental e discutir com quem acha que sabe mais que toda a gente não faz parte das minhas capacidades intelectuais.

Se calhar, além das fobias, ainda aceito o argumento das tromboses. É coisa para assustar. No entanto, se milhões de mulheres tomaram a pílula durante anos, mesmo com essa ameaça em percentagens muito mais elevadas? Pois claro. E ninguém obrigou ninguém a nada, é um risco que decidimos assumir. Também querem dizer que são contra a pílula? (Não se preocupem, nem vou lançar o argumento do viagra, que até tem efeitos secundários mais alarmantes porque, se começar com muitas estatísticas, os antivacinas não olham duas vezes para a informação).

A Eurofound terá feito uma sondagem para perceber a resistência à vacina conforme as condições socioeconómicas. Os números mais elevados encontram-se entre os homens, os desempregados, pessoas com o ensino básico ou secundário, e os que – pasme-se! – usam as redes sociais como fonte de notícias

A Eurofound (Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho) terá feito uma sondagem para perceber a resistência à vacina conforme as condições socioeconómicas. Os números mais elevados encontram-se entre os homens, os desempregados, pessoas com o ensino básico ou secundário, e os que – pasme-se! – usam as redes sociais como fonte de notícias. Se estes querem continuar a enfiar zaragatoas nariz acima para fazer tudo e mais alguma coisa, para entrar em qualquer lado, tenho que aceitar. Mas não compreendo como não preferem a facilidade de mostrar um certificado de vacinação. É que, além de tudo, ser do contra sai mais caro.

Não sei muito bem se consigo mudar mentalidades quanto à vacinação. Sei que contribui com a minha pequena gota do oceano. E se isso impediu que uma única pessoa não tivesse morrido de covid-19, valeu o incómodo no braço, a dor de cabeça, o tempo de espera, valeu o arriscar tromboses e a ameaça de ter um chip no meu corpo (!). Se essa pessoa era antivacina? Terá valido ainda mais. Cada um escolhe de que lado da história quer fazer parte. E somos muitos, felizmente.

(Uma palavra de apreço pelas vacinas que o Governo português está a doar aos países de língua portuguesa. Como disse o Vice-Almirante Gouveia e Melo: “Ninguém se vai salvar sozinho. Ninguém se vai salvar primeiro que os outros. Temos que nos salvar a todos, de forma unida. Só como comunidade é que nos salvamos. Os países ricos não podem pensar que, vacinando-se, ficam livres. O ser humano não é uma ilha”).