As fases do progresso

Lembram-se quando os telemóveis apareceram no mercado? Eram uns tijolos que serviam apenas para falar dentro do automóvel. Custavam mais do que um telemóvel topo de gama nos dias de hoje apesar de apenas servirem para falar e não terem cobertura de rede para além das principais zonas urbanas do litoral do país. Eram um luxo para algumas pessoas, que gostavam de os exibir como sinal exterior de riqueza.

Alguns anos mais tarde apareceram os modelos mais acessíveis, depois os pré-pagos e hoje o telemóvel é um dos objetos essenciais à vida de todos. Hoje também serve para quase tudo menos fazer e receber chamadas. Grande parte do tempo que as pessoas passam agarradas ao telemóvel não é a fazer ou receber chamadas, mas sim a enviar mensagens, ver vídeos ou aceder às redes sociais. Aquele produto de luxo de uma minoria de ricos tornou-se num produto essencial até nas partes mais pobres do mundo. Em África é um meio essencial para filhos de famílias pobres, emigrados nas grandes cidades, poderem enviar dinheiro para as zonas rurais. Em muito países mais pobres é o único meio de acesso à internet, dando acesso a um conjunto de serviços que seriam impossíveis se os telemóveis nunca se tivessem popularizado.

Mas podemos ir mais atrás e pensar nos automóveis. No princípio do século passado eram um bem de luxo nos EUA, tanto como os iates são hoje. Em Portugal ainda eram um bem de luxo nas décadas de 50 e 60. A seu tempo, também os automóveis se foram tornando mais acessíveis e hoje são um bem essencial a muitas famílias, incluindo famílias de classe baixa. Fora de Lisboa e Porto, cidades mais bem servidas de transportes públicos, é quase impossível uma família com filhos sobreviver sem automóvel. Os automóveis revolucionaram a forma como nos movimentamos e diminuíram as distâncias. Hoje queixamo-nos, com razão, quando estamos a 1 hora de distância do hospital central mais próximo, sem pensar que antes da massificação do automóvel essa distância se mediria em dias e não em horas.

Um terceiro exemplo: as viagens de avião. Até 2019 qualquer pessoa podia comprar um bilhete de ida e volta para Londres por menos de 100 euros. A massificação das viagens de avião permite que até pessoas com salários mais baixos possam sonhar pelo menos uma vez na vida viajar para a Europa. Muitos emigrantes podem regressar a casa 4 ou 5 vezes por ano sem que isso lhes pese muito na carteira. Não era assim há 60 quando a aviação civil estava nos seus inícios. As viagens de avião eram um luxo apenas reservado a alguns mais ricos. Nunca me esquecerei de, no princípio dos anos 90, ter tido a oportunidade de visitar familiares no Luxemburgo e os meus pais apenas terem dinheiro para uma viagem de autocarro de quase 2 dias (ainda assim muito cara).

São vários os exemplos dos luxos de outrora que se tornaram essenciais à vida de todos, pobres e ricos. O ciclo de vida de um produto é sempre igual. Começa como um luxo de alguns mais abastados, que são os primeiros a experimentar os produtos, normalmente de baixa qualidade e caros. Mas esta fase é essencial, porque é a única forma de um produto ou serviço ganhar escala e de se testarem os produtos no mercado. Numa segunda fase, tornam-se mais acessíveis e chegam à classe média-alta e eventualmente à classe média. É quando chegam à classe média que surgem várias marcas e modelos e os custos tendem a reduzir-se rapidamente, chegando ao ponto de serem acessíveis aos mais pobres. O mais básico telemóvel de hoje é muito melhor e custa muito menos do que o melhor telemóvel de 1992. Uma pessoa pobre hoje tem acesso a um telemóvel melhor do que um milionário em 1992. Mas sem o impulso inicial que o milionário deu à indústria dos telemóveis, dificilmente teria ganho a escala para chegar.

Muitos criticam esta corrida ao turismo aeroespacial como sendo um luxo desnecessário quando existem necessidades mais importantes e básicas. É verdade que existe ainda muita carência alimentar, educativa e de saúde no Mundo. Mas existia ainda mais quando o automóvel, as viagens de avião ou os telemóveis eram bens de luxo.

Vem isto a propósito da corrida ao turismo aeroespacial encetada por bilionários que vendem bilhetes a milionários que queiram viajar até ao espaço. Muitos criticam esta corrida ao turismo aeroespacial como sendo um luxo desnecessário quando existem necessidades mais importantes e básicas. É verdade que existe ainda muita carência alimentar, educativa e de saúde no Mundo. Mas existia ainda mais quando o automóvel, as viagens de avião ou os telemóveis eram bens de luxo. A massificação desses bens e da tecnologia associada permitiu criar condições para que muitas pessoas saíssem da pobreza e tivessem acesso a melhores cuidados de educação e saúde. Se nessa altura se tivesse limitado o crescimento desses produtos poderíamos ainda hoje demorar horas a fazer algumas dezenas de quilómetros, ser quase impossível viajar ao estrangeiro e não termos acesso aos benefícios dos telemóveis. Estaríamos melhores, pobres e ricos, se essas tecnologias não se tivessem desenvolvido? Claro que não.

Esta corrida ao espaço dos milionários já permitiu baixar para um décimo o custo de enviar satélites ao espaço, tornando possível a curto prazo acesso universal à internet através de satélite. É provável que este custo continue a baixar ao mesmo ritmo nos próximos tempos. Tal como era impossível saber o que iria acontecer com a tecnologia dos telemóveis, é impossível saber o que irá acontecer com esta. O céu é o limite. Podemos, a prazo, poder fazer o transporte intercontinental de mercadorias pelo ar em vez do mar ou conseguirmos ter viagens de passageiros entre continentes que demore um décimo do tempo que demora hoje, aproximando ainda mais o mundo. Não saberemos realmente o que irá acontecer, mas se há uma coisa que a história nos ensina é que a inveja e o sentimento anti-capitalista tende a ser inimigo da inovação e do progresso.