Os elefantes na sala

Na campanha das legislativas de 2019 discutiram-se vários assuntos, mas não se falou sobre o assunto que viria a dominar o país e o mundo nos dois anos seguintes. Era impossível saber-se em Setembro de 2019 o que iria acontecer uns meses depois e quanto tempo isso duraria. Chegados a 2022, podemos estar perante circunstâncias semelhantes, mas desta vez deixamos de discutir por opção.

Há duas coisas que podem vir a marcar os próximos anos no país e no Mundo: a guerra na Ucrânia e o regresso da inflação.

Comecemos pela guerra na Ucrânia. Desde o Verão que se vem antevendo uma invasão da Rússia a partes da Ucrânia. Nessa altura, os países europeus, esperando que tal pudesse acontecer no Inverno, interrompendo o fornecimento de gás, começaram a acumular reservas de gás. O preço do gás aumentou rapidamente o que, por sua vez, fez aumentar os preços da electricidade, como qualquer pessoa que tenha olhado para a fatura de eletricidade da sua empresa terá reparado. Um aumento tão rápido e forte no Verão indicava logo que nos bastidores todos já se estavam a preparar para uma guerra no Inverno. No momento em que escrevo, os EUA pediram aos familiares dos diplomatas que abandonassem a Ucrânia, normalmente um mau sinal. Quando forem os próprios diplomatas e pessoal das embaixadas a sair, saberemos que estamos perto. A guerra ainda poderá ser evitada, mas a acontecer, traz um conjunto de questões que mereciam ser discutidas. A primeira será, inevitavelmente, perceber qual o papel da NATO e a posição de Portugal dentro da NATO. Isto é particularmente importante porque poderemos ter a segurar o próximo governo partidos abertamente contra a pertença de Portugal à NATO (BE, PCP) e mesmo partidos que pertencem a organizações internacionais muito sensíveis aos interesses da Rússia (PCP, CHEGA). De que forma é que estes apoios ditarão a posição de Portugal em relação ao conflito. A segunda questão prende-se com a capacidade de Portugal em receber refugiados, se estes vierem a existir. Portugal tem uma grande comunidade ucraniana, relativamente bem integrada e é normal que muitos familiares procurem abrigo em Portugal. Com escassez de mão de obra em vários sectores, muitos destes imigrantes seriam facilmente integrados. Finalmente, temos um problema dos efeitos macroeconómicos. Com uma guerra entre o principal fornecedor de gás da Europa e o país por onde esse gás é transportado, poderemos ver os preços a disparar. O gás é uma das matérias-primas essenciais para a produção de electricidade. Estaremos prontos para electricidade ainda mais cara? Haverá alívio fiscal para compensar o aumento?

Com uma guerra entre o principal fornecedor de gás da Europa e o país por onde esse gás é transportado, poderemos ver os preços a disparar.

Mesmo não existindo guerra na Ucrânia, existe uma outra ameaça da qual já nos desabituamos nos últimos 30 anos: inflação. Os preços das matérias primas e energia já começaram a subir. Falem com qualquer empresário e ele dirá o mesmo. A somar a isto, a falta de mão de obra levará inevitavelmente ao aumento de salários (e ainda bem). Quando somamos estes factores, torna-se inevitável algo que já vemos a acontecer: os preços dos produtos irão aumentar rapidamente. Noutros países com economias mais fortes, os números de inflação já dispararam. É uma questão de tempo até isso acontecer em Portugal. Isso deveria levantar várias questões. A primeira tem a ver com o documento que Costa gosta de mostrar nos debates: o Orçamento de Estado de 2022, preparado em Setembro e chumbado em Novembro. Com a revisão dos números da inflação, esse documento está já desactualizado. Não podemos ter um orçamento de estado feito com as previsões de Agosto de 2021 aplicado a partir de Maio de 2022. A inflação afecta tudo naquele orçamento: receitas, despesas, aumentos salariais, evolução da dívida, taxas de juro,… Mas estas questões são o menos importante. O mais importante é perceber como é que isso irá afectar as contas e a vida das pessoas.

Em primeiro lugar, um aumento da inflação irá fazer aumentar a taxa exigida pelas entidades que emprestam dinheiro ao estado português. A administração pública tem cerca de 60 mil milhões de euros em dívida que tem que ser renovada no espaço de um ano (leram bem, são 6 mil euros por português que teremos que pedir emprestado no próximo ano) e perto de 100 mil milhões (10 mil euros por português) ao longo da próxima legislatura. O que acontecerá se o mercado secar ou só emprestar a taxas muito elevadas? Onde poderá o estado cortar para compensar os juros adicionais? Foi feito algum trabalho para evitar cairmos no mesmo problema que em 2011? Tivemos anos de taxas de juro historicamente baixas para corrigir o problema. Infelizmente, parece que esse período foi apenas usado para fingir um sucesso orçamental e não para preparar o país para uma eventual subida das taxas de juro.

A acrescer a tudo isto, uma subida de inflação pode levar o Banco Central Europeu a subir as taxas de juro de referência. Com o preço das casas em máximos históricos e o endividamento para comprar casa a acompanhar esses máximos, o que irá acontecer aos orçamentos domésticos quando a prestação da casa começar a aumentar? E se o mercado imobiliário parar de aumentar e começar a cair rapidamente como em 2010? O que acontecerá aos bancos portugueses ainda a recuperar da última crise?

Tudo questões que ficaram por responder por quem nos governou e será responsável pela preparação, ou falta dela, para os problemas.

Carlos Guimarães Pinto
Economista e professor universitário