O conflito Rússia/Ucrânia

A Rússia deslocou, para perto da fronteira leste da Ucrânia, um contingente militar composto de mais de 100.000 homens. Os Estados Unidos (EUA), a UE (União Europeia), a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a Ucrânia insurgiram-se, de imediato, contra estas movimentações militares concluindo estar eminente uma invasão deste país.
Para compreender o conflito, há que proceder a uma análise sintética dos factos. Existe uma origem mais remota e outra próxima.
Em 2014 e na sequência de um golpe de estado na Ucrânia que destituiu do poder o presidente Viktor Yanukóvytch, a Rússia, invocando direitos históricos e a obrigação de proteger os cidadãos russos que constituem a quase totalidade da população, anexou a Crimeia.
Os EUA (Barack Obama) reagiram, impondo sanções económicas à Rússia (ainda hoje em vigor) e levaram mesmo o caso ao Conselho de Segurança da ONU onde uma moção, condenando o “referendo” da Crimeia, foi aprovada pela maioria da comunidade internacional, mas anulada pela utilização do veto da Rússia. Esta questão permanece ainda sem resolução e continua a ser fonte de conflitos e tensões na região.
Mas existe uma outra e relevante causa próxima e que é, sobretudo, a expansão da NATO para leste. Para a Rússia, esta é uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada porque, refere, se trata da garantia da sua segurança e paz na Europa e no mundo. Argumenta ainda que, após a implosão da ex URSS, o Ocidente assumiu o compromisso moral (não reduzido a escrito), de não expandir a sua “influência” para Leste, compromisso que não foi respeitado.
É inquestionável que a NATO, após a implosão da ex União Soviética e sobretudo após a dissolução do Pacto de Varsóvia em 1991, nos últimos 30 anos já se expandiu para 14 países limítrofes da, agora, Federação Russa, planeando ainda integrar a Ucrânia e a Geórgia.
Para os EUA, UE e NATO, “os estados têm o direito de escolher livremente as alianças para assegurar em exclusivo a sua própria segurança”.
Nesta linha de argumentação, convém lembrar que a Carta de Segurança Europeia, celebrada com a Organização de Segurança e Cooperação Europeia (OSCE) no ano de 1999, em Istambul, estabeleceu, no que se refere às questões de segurança e aos direitos dos estados membros, o “princípio da indivisibilidade” que se traduz na “obrigação de cada estado não fortalecer a sua segurança em detrimento da segurança de outros estados”. No entanto, o princípio vem sendo interpretado à medida dos interesses de cada um e o impasse persiste.
Temos para nós que a deslocação do contingente militar russo não foi determinada para invasão da Ucrânia. Desde logo, porque essa ação se iniciou após o anúncio pela Ucrânia, em Abril de 2021, de uma ofensiva militar contra as denominadas Repúblicas de Donetsk e Lugansk; depois, porque nada justificava uma ação militar contra a Ucrânia, salvo a eminência de concretização da adesão da Ucrânia ao bloco político-militar da NATO. Isto é, a aglomeração de tropas junto à fronteira tem, em nossa modesta opinião, como objetivo, a dissuasão de uma nova expansão da NATO para Leste. A persistirem tais intenções, acreditamos então ser provável a invasão que, aliás, pode ocorrer com a comissão de um qualquer ato provocatório.
Em virtude da similitude de situações, atrevemo-nos a fazer um paralelo com a denominada “crise dos mísseis”. Em 1959, depois do triunfo da revolução cubana, os EUA, utilizando a CIA, invadiram a ilha, mas foram derrotados na batalha conhecida como “baía dos porcos”. Temendo nova invasão, Fidel pediu à então União Soviética a instalação no seu território de silos de lançamento de mísseis, o que veio a suceder. Os EUA não “toleraram” a existência de armamento nuclear “inimigo” a cerca de 140 Km da Florida… Seguiu-se um período de enorme tensão em que o mundo esteve à beira de um confronto nuclear. Felizmente para a humanidade, o bom senso prevaleceu e os Presidentes John Kennedy e Nikita Khrushchev celebraram um acordo: os EU assumiram o compromisso de não invadir Cuba e de respeitar a sua integridade territorial; os Russos, a desmantelar as rampas e mísseis instalados na ilha. A humanidade suspirou de alívio.
Tratar, nas circunstâncias atuais, com igual solução, a crise que se vive, constituiria uma visão redutora da situação internacional; no entanto, no curto prazo e como forma de aliviar as tensões e dar tempo à diplomacia, para que o diálogo substitua o confronto, para que as negociações e a rejeição do uso da força sejam a única forma de resolução de conflitos, não seria despiciendo.
Sabemos que interesses geoestratégicos, económicos e políticos dificultam a solução do conflito. De facto, até parece simples a solução: os EUA, UE e NATO assumiriam o compromisso de não aceitar a entrada da Ucrânia na organização; a Rússia, o compromisso de não invadir a Ucrânia e de retirar o seu contingente militar das fronteiras da Ucrânia; a Ucrânia garantiria o respeito pela sua integridade territorial e, em consequência, dispensaria o escudo “protetor” da NATO.
Este curto e despretensioso texto não pretende ser apologético, muito menos apontar culpados, mas apenas olhar a questão de um ponto de observação diferente e, sobretudo, habilitar os leitores com elementos de facto que lhes permitam extrair deles as suas próprias conclusões, mas, sobretudo, fazer um apelo à paz.
Deste ponto de vista, parte da comunicação social, sobretudo a audiovisual (e mesmo líderes europeus e americanos), não tem cumprido esse papel. Apressou-se a montar um circo mediático, de intoxicação da opinião pública, de informação pouco rigorosa e parcial, por vezes ridícula. Não está em causa o seu papel que reputamos insubstituível. Mas, para além do direito de informar é também seu dever ético contribuir para a não agudização de conflitos e para a paz. Nesta questão, não há inocentes, mas haverá culpados! E, no caso, foi – e continua a ser – desenvolvida uma campanha em favor da guerra. E era imperioso que assim não fosse, por uma simples e linear razão: como declararam, em Genebra no ano de 1985, os presidentes da ex URSS e dos EUA “uma guerra nuclear nunca deverá ser desencadeada porque nela não poderá haver vencedores”.

Rui Abrantes
Advogado

BIBLIOGRAFIA: História da Crimeia, www. Google.com/search/ história da Crimeia; Moção conselho segurança ONU, https//news.org/2014/3; carta segurança europeia, www.europal.eu; Crise mísseis cuba, www.infopedia.pt; Mikhail Gorbatchov, Que está em jogo, Almedina; Relatório Instituto EU para paz, www.usip.org