A reforma da justiça

1 – É hoje unanimemente aceite que a justiça está doente, que não cumpre eficazmente a sua função e que é urgente proceder à sua reforma. Aliás, já recentemente, em 2015 e com esse propósito, entrou em vigor um novo mapa judiciário que alterou o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais.

Tinha como objectivos, entre outros como a gestão concentrada e ganhos de eficácia e eficiência, sobretudo o aumento da especialização. Deve dizer-se que, salvo os aspectos da gestão( )a reforma redundou em fracasso e por duas razões fundamentais: afastou os cidadãos da justiça em vez de os aproximar; a especialização é, por enquanto, um mito.

A divisão do país em 23 Comarcas localizadas em cada uma das capitais de distrito pulverizou os tribunais afastando-os das cidades onde eles se situavam e estavam próximo das pessoas, dos cidadãos que são os destinatários/consumidores da justiça e que agora a sentem mais longe. A medida levou a situações verdadeiramente aberrantes com tribunais a funcionar em edifícios sem condições, mas tendo a pouca distância tribunais construídos para serem tribunais e que foram esvaziados das suas valências e se encontram subocupados (veja-se o caso de Espinho que, hoje, é um tribunal de competência genérica para julgamento de casos quando o valor da acção seja inferior a 50 mil euros, nos processos cíveis e para processos crime com penas inferiores a cinco anos, ou seja, o que na gíria se chama de “bagatelas penais”; a 15 quilómetros, em Santa Maria da Feira, um tribunal a “rebentar pelas costuras”, sobrelotado, com problemas de espaço, de carência de salas de audiência, em suma, de condições para administração da justiça e pelo qual o Estado continua a pagar a renda mensal de 70.000,00 € !!!).

2 – A especialização é, por enquanto, uma quimera. Na verdade, o que existe são edifícios “especializados” porque ostentam no frontispício as designações correspondentes: tribunal cível, tribunal criminal, tribunal de trabalho, etc. A especialização, absolutamente necessária pela vastidão das áreas do direito e pelo desafio do aparecimento de novos ramos( ) deve começar pela preparação e formação dos recursos humanos, funcionários e magistrados. Quanto a estes e, findo que seja o tronco comum de formação( ), seguir-se-ia a fase da especialização na escola de direito( ) através de módulos de formação específica para cada ramo de direito. Mas não foi isso que sucedeu: magistrados que sempre “trabalharam” nos tribunais criminais, colocados no tribunal cível ou do trabalho ou nos de comércio e vice versa, o que conduziu a resultados contraproducentes. Em resumo: começou a construir-se o edifício judiciário pelo telhado!

3 – Os partidos políticos estão, de uma forma geral, de acordo com o diagnóstico da doença e da necessidade e da urgência da cura, o mesmo é dizer da reforma da justiça. Porém, os sinais que vão dando não são animadores. Veja-se, por exemplo, o que sucedeu nos recentes debates televisivos sobre o tema, na campanha para as eleições legislativas: no debate entre André Ventura e Rui Rio, este deixou-se enredar na teia tecida por aquele e passaram o tempo a falar de um não assunto: a prisão perpétua; mas também António Costa e Rio circunscreveram o tema à discussão sobre a composição do Conselho Superior do Ministério Público… Lamentável!

É certo, no entanto, que apesar de nos programas eleitorais dos partidos existirem pontos de vista diferentes e que reflectem, muitas vezes, a sua visão ideológica da sociedade, convergem na necessidade de reformar. Contudo, não apresentam um programa de reforma sério e estruturado, dizendo o que pretendem reformar e com que objectivos, limitando-se a narrativas de generalidades e colocando o enfoque em questões parcelares como o combate à corrupção, a planos de contingência para recuperar pendências, à criminalização do enriquecimento sem causa, à valorização das carreiras dos profissionais da justiça, ao regime das custas judiciais, etc, etc.

4 – A justiça constitui um pilar basilar de um estado de direito democrático. O sistema de justiça deve assegurar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a justa composição dos litígios e contribuir para o desenvolvimento económico e a competitividade. E é neste último vector que queremos, neste escrito, assinalar as consequências nefastas do mau funcionamento da justiça. Não é sustentável muito menos admissível que os cidadãos e as empresas aguardem anos e anos pela prolação de decisões que garantam os seus direitos e que, em muitas situações, alteram a vida das pessoas ou hipotecam a sustentabilidade económica das empresas. A justiça só é eficaz se for célere, rápida, transparente e atempada. Qualquer reforma da justiça, para além, obviamente, de muitos outros aspectos( ), terá que colocar o enfoque na celeridade para que as decisões judiciais sejam proferidas de forma rápida e em tempo útil.

5 – Não é nossa pretensão apresentar aqui um plano de reforma da justiça, não temos essa ousadia e nem, aliás, o consentiria um texto jornalístico de opinião). Em qualquer caso, sempre deixaremos algumas sugestões sobre o tema: em primeiro lugar, aproximar os cidadãos da justiça reformando a actual organização do sistema judiciário e fazendo regressar os tribunais às cidades de onde foram retirados; em segundo lugar, a dotação, valorização e formação de recursos humanos e a criação de melhores condições de trabalho nos tribunais; em terceiro, a introdução, nos tribunais de maior pendência, da figura do magistrado auxiliar ou auditor de justiça (a designação não é importante) com a função de proceder à tramitação processual reservando-se a função de julgar ao magistrado titular; em quarto lugar, a reforma do Código de Processo Civil, sobretudo em duas fases: organização do saneamento do processo com especificação e questionário; simplificação das sentenças podendo ser orais e com remissão para os articulados e/ou especificação e questionário da matéria de facto provada.

As medidas apontadas envolvem, necessariamente, aumento de custos, desde logo em recursos humanos; porém, o investimento seria largamente compensado pela credibilização da justiça, pela sua eficácia e eficiência e como factor de competitividade e de desenvolvimento económico. O governo, com maioria absoluta na assembleia da república, tomou posse no passado dia 30 de março. Esperemos que a tão necessária e urgente reforma da justiça avance finalmente…

Rui Abrantes
Advogado