O Porto é uma Nação!

1 – Há um Futebol Clube do Porto (FCP) antes e outro depois de Pinto da Costa. Como portista de nascença, prestes a fazer 80 anos, posso dizer que vivi 40 com cada um deles…

O FCP que vai da minha infância à meia-idade era um dos clubes grandes de um país pequeno no mundo do futebol, mas raramente ganhava um campeonato e não pensava em altos voos internacionais. Tinha eu já uns 13 ou 14 anos quando, pela primeira vez na minha vida, em 1956, vi o Porto ser campeão nacional – o Porto de Dorival Knipel, brasileiro de origem alemã, oriundo de Minas Gerais. O mítico Yustrich!

Quanto à Seleção Nacional, digamos que o seu forte, por essa altura, eram as chamadas “vitórias morais”. A exceção, que confirma a regra, foi um 3º lugar no Mundial de 1966, sob o comando de um outro famoso treinador brasileiro, Otto Glória. Os escolhidos de Otto Glória (que receberam a honrosa designação de “Magriços”, ou não fosse a fase final do torneio disputada na Inglaterra…) exemplificam bem a profunda desigualdade Norte/Sul, que se vivia no antigo regime: Dos 23 convocados, 19 eram do sul (mais exatamente, 18 de Lisboa, a capital do Império, e um dos arredores, de Setúbal) e só quatro eram do norte (três do FCP e um do Leixões). Na realidade, o fosso era ainda maior, pois desse quarteto nortenho, composto pelo guarda-redes Américo, por Custódio Pinto e Festa, do FCP, e por Manuel Duarte do Leixões, apenas o defesa Festa era titular. Para os mais jovens, há que dizer que, nessa remota era, não havia substituições de jogadores durante os 90 minutos, nem sequer por lesão, e que poucas alterações se registavam no ‘onze’ base de qualquer equipa, durante uma época inteira.

Mas havia mais e pior! Todos os cargos das instâncias dirigentes do futebol português eram, exclusivamente, repartidos entre os clubes dominantes da capital (Sporting, Benfica e Belenenses), que temos de considerar decisores e juízes em causa própria, com fama e proveito, dentro e fora do campo. Lisboa tratava as colónias e a “província”, da mesma maneira, ou, pelo menos, com a mesma sobranceria – na política, nas áreas económicas, no desporto, etc., etc., etc… Em suma, Lisboa (ou o seu sinónimo “Terreiro do Paço”), era o Poder absoluto, autocrático! A capital mandava, sem preocupação de equilíbrio, sem controle, sem oposição (a que havia, mais tarde ou mais cedo, acabava nas prisões ou no exílio…).

A Revolução de 1974 trouxe aos Portugueses a Liberdade, deu-lhe direitos de cidadania proclamados na letra da Constituição e das Leis. Os progressos, não foram, porém, alcançados, a idêntico ritmo ou velocidade, por todo o lado. Não basta declarar a igualdade, é sempre preciso saber conquistá-la contra o “status quo”, contra interesses instalados. E em nenhum setor foi mais e melhor conseguida do que no futebol. Não porque fosse mais fácil, mas porque houve quem fizesse a revolução fática, no terreno: Jorge Nuno Pinto da Costa.

2 – Sem prévia revolução democrática não teria havido Pinto da Costa, com o seu inigualável currículo de vitórias, em termos planetários, e sem Pinto da Costa não teria havido revolução no futebol português! Com a sua visão e liderança, ele alcandorou o FCP ao topo do mundo do Desporto (do Desporto-Rei) e, por natural repercussão, levou o País, anos depois, a um protagonismo crescente. Portugal, os Portugueses! Os nossos Mourinhos…. os  Decos, os Ronaldos, os Pepes… as equipas técnicas, os gestores, os agentes das estrelas… os dirigentes federativos,… o reconhecimento que nos entregou a (sempre impecável) organização de grandes competições internacionais… O que era, antes do 25 de Abril, uma absoluta impossibilidade, e, depois do 25 de Abril, extremamente improvável, aconteceu.

Não estou com isto a dizer que esta extraordinária evolução se deve diretamente ao presidente do FCP, mas não tenho dúvida de que deriva da dinâmica por ele criada, de uma verdadeira “regionalização” no futebol nacional. Ou seja, a partilha ou o equilíbrio de poder de “fazer coisas”, de progredir, de ser uma bandeira do País em qualquer ponto geográfico, de acordo somente com a capacidade de empreendimento, o querer, o mérito dos cidadãos e das suas coletividades.

Pinto da Costa foi eleito presidente do FCP há 40 anos, em 23 de abril de 1982, exatamente oito anos depois da Revolução (um ano, por sinal, tão importante no futebol como na política, pois foi o da primeira Revisão Constitucional, que consagrou a democracia plena, com a extinção do Conselho da Revolução…). O clube tinha ganho, até então, meia dúzia de campeonatos… Este ano festejou o seu 30.º título de campeão! Cumpriu, ao longo das últimas quatro décadas, o nosso sonho de sermos os melhores do País. E foi muito, muito mais longe, ao cumprir o projeto de Pinto da Costa, aquele que, para nós, era pura utopia: tornar o FCP campeão da Europa e campeão do mundo! Por duas vezes. Sete títulos internacionais só em futebol sénior! 

E, ele próprio, como presidente de clube, mais titulado do mundo, um recordista insaciável, à espera de mais e mais vitórias no futuro… O seu fabuloso legado inclui ainda um estádio e um Pavilhão desportivo, que são duas obras de arte arquitetónicas, e um museu como não há outro igual – o mais visitado da cidade, um seu autêntico “ex-libris”.

O seu feito maior é ter mostrado, de uma forma muito concreta, a Portugal, (porventura o Estado mais centralizado da Europa!), quanto a macrocefalia da capital é inimiga fatal do progresso

Manuela Aguiar

3 – No 40.º ano do mandato de Pinto da Costa é tempo de lhe dizer: obrigada! Não apenas como portista, mas como portuense e portuguesa, porque considero que tem um lugar na História do País e não só estritamente na História do futebol português e universal.

O seu feito maior, que o leva a transcender as fronteiras do desporto é ter mostrado, de uma forma muito concreta, a Portugal, (porventura o Estado mais centralizado da Europa!), quanto a macrocefalia da capital, ao criar uns “mais iguais do que os outros”, é inimiga fatal do progresso. E como, quando alguém a consegue afrontar e abrir caminho à ascensão dos melhores, toda a sociedade ascende com eles. Nenhum político conseguiu, ainda, seguir-lhe o exemplo. O centralismo continua a asfixiar as energias e as potencialidades de um País mal gerido. E, assim continuando, não há solução para os nossos males. Meio século após a democratização, e quase quatro décadas após a adesão à CEE/UE, Portugal permanece “na cauda da Europa”. É urgente, a todos os níveis do País, em todos os setores, a Revolução que Pinto da Costa fez no campo do Desporto.

Manuela Aguiar

Ex-vereadora da CM Espinho e secretária de Estado das Comunidades