PRR: mais uma oportunidade perdida!?

Portugal, no seu conjunto, ou seja, Estado, famílias e empresas, é um país descapitalizado, cuja falta de capacidade de poupança e de investimento, aliada a uma elevadíssima dívida pública, torna o país débil e sem capacidade de realizar os investimentos mais ajustados em tempo oportuno, para fazer face às necessidades conjunturais e assegurar as condições estruturais para o desenvolvimento futuro.

Segundo a Comissão Europeia, Portugal está entre os países com investimento público mais baixo, sendo o país com o pior desempenho, posicionando-se no último lugar do ranking nos anos de 2014 a 2020.

De acordo com as estatísticas oficiais (INE e Eurostat), e a publicação ‘A coesão na Europa no horizonte 2050’, produzida pela Comissão Europeia, a dependência do investimento público face aos fundos comunitários aumentou em Portugal para 88%.

Não existe outro Estado Membro da União Europeia com um peso dos fundos comunitários tão elevado como o de Portugal, face ao total do investimento público verificado no país, ou seja, não fossem os fundos comunitários, o investimento público em Portugal seria, certamente, muito mais reduzido.

Na emergência da pandemia, a União Europeia aprovou o instrumento NextGenerationEU, o maior pacote de medidas de estímulo de sempre alguma vez financiado na Europa, visando a recuperação económica ‘para sairmos mais fortes da pandemia, transformar as nossas economias, criar oportunidades e empregos para a Europa onde queremos viver’.

A maior fatia deste instrumento é dedicada ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), financiando o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de Portugal, a tal “bazuca” com uma dotação estimada de 16.644 milhões de euros, para executar até 2026, num envelope financeiro ‘extraordinário’ que se soma aos habituais quadros comunitários de apoio, sendo, grosso modo, equivalente ao total somado do investimento público português realizado nos últimos quatro anos (2018-2021), no montante agregado de 17.443 milhões de euros.

Com um défice estrutural de capitalização das famílias e das empresas, e de financiamento do Estado, o investimento público tem sido fortemente reduzido e investimentos críticos, inadiáveis e estruturantes para assegurar as condições de bem-estar dos cidadãos e potenciar a transformação da economia, têm sido inapelavelmente protelados sem previsão de que alguma vez viriam a ser possíveis, face à inexistência de capacidade de financiamento e de investimento, “o que causou uma profunda degradação dos equipamentos públicos com consequências dramáticas para o desenvolvimento do país que a população sente actualmente: hospitais, centros de saúde, escolas, esquadras da polícia e GNR, transportes, etc.”

Num tal cenário, a programação do PRR português privilegia uma concentração de investimentos, em larga medida, afectos ao sector público, representando mais de 2/3 da dotação financeira (67,2%), focado essencialmente em investimentos tutelados e/ou cativados por organismos da Administração Central, concedendo pouco espaço e margens muito estreitas à participação da Administração Local, em que Áreas Metropolitanas, Comunidades Intermunicipais e Municípios têm pouco a dizer e uma atribuição reduzida de intervenção e de investimentos.

Os estímulos à dinâmica da Economia Social, das famílias e das empresas representam menos de 1/3 da programação de investimento do PRR, com um peso relativo de 32,8%.

Ainda face à necessidade de recuperar investimentos recorrentemente protelados pela incapacidade de financiamento e de investimento público, a programação do PRR destina praticamente metade da sua dotação para investimentos, em larga medida, que haveriam, num cenário de razoabilidade, muitos deles, terem sido realizados ao longo dos últimos anos, tratando-se, em muitos casos, de investimentos materiais nos domínios da saúde, da habitação, das infraestruturas, transportes e mobilidade, entre outras infraestruturas pesadas e equipamentos de base, incluído no domínio da educação, formação e cultura.

A visão do instrumento NextGenerationEU é, mais do que ser apenas um plano de recuperação, constituir uma oportunidade ‘única’ para sair mais forte da pandemia e transformar estruturalmente as economias da União Europeia.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português exprime na sua programação a implementação de um conjunto de reformas e investimentos destinados a repor o crescimento económico sustentado, após a pandemia, reforçando o objectivo de convergência com a Europa ao longo da próxima década.

Isto é, “um apoio estrutural de grande importância para a recuperação económica após a fase crítica da pandemia e para assegurar um nível de crescimento acima da média europeia, retomando a convergência com a zona euro”.

Ora, sendo certo que a economia portuguesa tem vindo a crescer, os dados evidenciam que o ritmo de crescimento não chega para que Portugal se destaque a nível europeu na recuperação face aos efeitos da pandemia. “O país regista, no segundo trimestre deste ano, o quinto pior desempenho da Europa face ao final de 2019, isto quando já estão apuradas taxas de crescimento de 21 dos 27 países da União Europeia (UE): Portugal está 0,9% acima do nível pré-pandémico, mas, dos que crescem, é o mais fraco e o incremento está bastante abaixo das médias europeias e da maioria dos parceiros, por exemplo, a UE e a Zona Euro já estão 4% acima da linha que se verificava antes da pandemia.

Com uma programação concentrada em investimentos infraestruturais e no domínio do sector Estado, teme-se que a capacidade de recuperação, estímulo e sobretudo de transformação da economia seja muito aquém do desejado.

Na actual conjuntura de debilidade de financiamento das famílias, das empresas, e por sua vez do Estado, para fazer face aos investimentos imprescindíveis, os investimentos previstos estimulam pouco a transformação da economia e são insuficientes aqueles com capacidade de compensar e inovar aqueles que desaparecem pelo uso e obsolescência, condicionando a transformação e a inovação do aparelho produtivo e reprodutivo da economia e da administração pública.

Neste contexto, sendo esperado que o PRR seja importante para poder impulsionar a recuperação da economia, segundo o Governador do Banco de Portugal, não é expectável que a execução do PRR ajude Portugal a melhorar a sua posição relativa na União Europeia, ou seja, a acelerar o crescimento em relação aos países mais comparáveis.

Será assim o PRR mais uma oportunidade perdida de transformar a economia portuguesa e de acelerar a convergência com a União Europeia?

Tito Miguel Pereira

Consultor

(Escrito em desacordo ortográfico)