Tenho dois amores, um é Espinho, terra escolhida para viver, trabalhar e alargar a família. Aí nasceram os meus filhos. Por gostar tanto dela, aí desenvolvi ao longo dos anos uma intensa dinâmica de cidadania e fiz bons amigos. Outro amor maior é Monção, terra minhota, perto das minhas raízes minhotas de que tanto me orgulho.
Costumo dizer e quem me conhece sabe disso: se sou serena, sensível e paciente, devo ao meu lado materno marcado pelo Oriente, se sou frenética e mulher de ação, devo ao meu ADN paterno, direi mesmo que sou a cópia da avó paterna – Libânia do Rosário, sempre pronta para levar tudo em frente, cheia de garra e determinação.
Monção é a terra onde, presentemente, mais tempo passo e cada vez me encanta mais, a dinâmica da vila e, em especial, as suas gentes. Sinto-me aqui em casa e isso diz tudo.
A cereja no topo do bolo, a ligar estas duas terras com quem tenho tanta ligação, aconteceu no passado dia 24 de setembro. Foi inaugurada a exposição “Menino do Coro” do artista monçanense Ricardo de Campos. Foi um orgulho ver a imensa galeria Amadeo de Sousa Cardoso completamente recheada de tantas e tantas criações do artista plástico.
Posso dizer que já vi muitas exposições das obras de Ricardo de Campos mas nunca outra me encantou tanto. O espaço amplo e luminoso permitiu que as obras deste grande vulto da arte pudessem respirar com a dignidade que merecem e apresentarem-se em magnitude, pela dimensão, pela técnica e pela mensagem forte e marcante.
Esta galeria, em homenagem ao fabuloso pintor modernista Amadeo de Sousa Cardoso, falecido em Espinho há mais de 100 anos, faz parte do edifício, agora Museu Municipal de Espinho, onde outrora foi a antiga Fábrica Brandão Gomes, uma conserveira de grandes dimensões e já na altura com técnicas inovadoras que permitiu-lhe figurar em lugar de destaque em termos internacionais.
O espaço amplo e luminoso permitiu que as obras de Ricardo de Campos pudessem respirar com a dignidade que merecem e apresentarem-se em magnitude, pela dimensão, pela técnica e pela mensagem forte e marcante.
Para homenagear este alto-minhoto raiano, nascido e criado e, mais tarde, criador de arte, em Monção, nada melhor do que evocar outro vulto, não na mesma área, mas na poesia – João Verde. Dar a conhecer esta figura notável na área das letras foi tarefa que realizei com muito prazer e emoção. Dois vultos a merecer a nossa admiração, sendo ambos ligados à sua terra, Monção, ao Minho e à Galiza.
Algumas notas biográficas sobre a vida e obra de João Verde, para passar à declamação de alguns poemas, selecionados apenas alguns das muitas áreas temáticas. Neste ponto, não foi esquecido a sua primeira obra poética ainda muito jovem e a mais famosa “Ares da Raia”. Também a sua versatilidade no campo profissional, com especial destaque ao fundador de vários jornais, jornalista, cronista e poeta.
Assim, comecei pela temática, onde o autor celebra o orgulho pela sua terra, a sua região, o ambiente rural tendo como inspiração a musa minhota, com o poema “Campestre”, a lembrar uma alba medieval. Seguiu-se o tema onde o autor marca a sua posição crítica sobre a pobreza e exploração bem como o problema da emigração através dos poemas “Hybernal” e “Em partida”. Por fim, depois de abordar a sua intensa ligação à Galiza, quer através de obras, quer de muitas amizades com autores contemporâneos, foi declamado pelos monçanenses presentes nesta inauguração a oitava tão célebre “Vendo-os assim tão pertinho” e depois, a resposta, também em poema, do seu amigo Salvador Saavedra, poeta de Vigo. E os anseios destes amigos das letras foi conseguido: Monção já não está separada de Salvaterra e da Galiza pelo rio Minho, mas antes unidas pela ponte que é como uma rua a juntar duas vilas em projeto comum de eurocidade.
“Menino do coro” todos já fomos um dia e também Ricardo de Campos. Este título faz jus à evolução do artista e ensaia uma possível retrospetiva sobre a sua obra, entre 1998 e 2022. Mas a incidência dos trabalhos visa a produção artística de 2012 em diante, momento marcante da trajetória do pintor que passa a criar em formatos grandes e onde o desenho se destaca assim como as zonas sem pintura.
Neste exercício, continua a esboçar em especial o corpo feminino e atividades ligadas à rotina das mulheres, mas com um cunho de linguagem voyeurista e fetichista.
Em todas elas há uma proposta de questionamento permanente onde o autor se exprime sobre conceitos vários, demarcados por linhas bem definidas e manchas mais abstratas, num vaivém entre o terreno e o real, o idílico e o imaginário.
Poderei dizer que o menino do coro tornou-se um menino atrevido e audaz, persistente e interrogativo, curioso e aberto a novas experiências, crítico sobre o que o rodeia, inovador, solidário, obsessivo e resiliente. Mas jamais indiferente ou desistente, nunca criador sem mensagem, nunca desonesto no seu trabalho, nunca preso a dogmas ou doutrinas, nunca indiferente aos problemas sociais. Sempre em evolução! A arte serve para nos fazer crescer e sonhar com um mundo melhor.
Ricardo de Campos tem um perfil especial que o destaca e o torna único. Citando um pensamento de Fernando Pessoa “Deus quer, o homem sonha e a obra nasce”, assim foi o querer de Ricardo de Campos. A criação artística de Ricardo de Campos toca-nos profundamente: inquieta-nos, encanta-nos, mas nunca nos deixa indiferentes.
Parabéns ao artista e ao Museu Municipal que o acolheu! Deixo o desafio aos leitores deste jornal: não percam esta magnifica exposição, presente até ao fim do ano no Museu Municipal de Espinho.
Arcelina Santiago
Professora aposentada