Da queda dos salários reais dos trabalhadores qualificados: os salários não aumentam por decreto!

O défice de qualificações surge em muitos dos diagnósticos e constitui, consensualmente, um dos maiores défices estruturais que Portugal acumulou ao longo de décadas e que obstaculiza o franco desenvolvimento do país e a convergência com os países do pelotão da frente da União Europeia.

Apenas cerca de 28% da população entre os 25 e os 64 anos tem qualificações superiores, face a perto de 33% na média da União Europeia, sendo que subsiste uma grande diferença que nos separa da Europa nas qualificações intermédias, quando se verifica que 45% da população entre os 25 e os 64 anos não completou o ensino secundário, enquanto que esse número baixa para apenas 21% na média Europeia.

A qualificação e o aumento das competências, e a valorização dos recursos humanos, são cruciais para a melhoria dos factores imateriais de competitividade, no pressuposto que mais e melhores qualificações proporcionam mais produtividade, mais inovação, mais competitividade e maior criação de valor e de rendimentos, para o bem-estar e qualidade de vida das populações.

Sendo certo que se verificou em Portugal um considerável aumento das qualificações das populações – entre 2006 e 2020, a percentagem de população entre os 25 e os 64 anos com ensino superior aumentou de 13% para 28%, e a população entre os 25 e os 64 anos que não completou o ensino secundário baixou de 73% para 45% – tal aumento de qualificações não foi acompanhado de uma melhoria substancial das condições de convergência do país com os congéneres europeus, nem se verificou uma valorização dos recursos humanos baseado nas qualificações e nas competências.

Dada a importância da escolaridade da população na determinação dos salários, o recente estudo sobre “A distribuição dos salários em Portugal no período 2006-2020”, que incide sobre o sector privado, publicado pelo Banco de Portugal, evidencia que se verificou uma degradação dos salários reais entre 2006 e 2020 nos salários mais elevados (população com ensino superior) e intermédios (população com ensino secundário), que registaram crescimentos reais negativos, ou seja, os salários reais dos trabalhadores com ensino secundário e dos trabalhadores com ensino superiores diminuíram.

Este estudo publicado pelo Banco de Portugal realça o comportamento do salário médio e mediano, tendo-se observado, em termos reais, um crescimento médio anual do salário mediano superior ao do salário médio neste período (1,2% e 1,0% respectivamente), traduzindo-se numa maior compressão salarial.

A análise mostra que se reduziu a desigualdade dos salários entre 2006 e 2020, justificada largamente pela revisão acentuada da retribuição mínima mensal garantida, que incide maioritariamente em trabalhadores com baixas qualificações, e numa maior percentagem de trabalhadores que auferem a retribuição mínima mensal garantida.

A inflação média anual entre 2006 e 2020, medida pelo Índice de Preços no Consumidor, foi de 1,1%, pelo que o crescimento do salário médio em termos nominais neste período foi de 2,1%. Neste mesmo período, em termos nominais, o rendimento mínimo mensal garantido aumentou 3,6%!

Esta evolução evidencia uma redução da desigualdade salarial, analisada por níveis de escolaridade, não pelo efeito da valorização transversal dos recursos humanos, e pela diminuição efectiva da desigualdade, mas pela compressão salarial e pelo nivelamento por baixo dos salários.

Observou-se uma redução da diferenciação entre o ensino secundário e qualificações mais baixas, traduzida na diminuição do diferencial salarial entre níveis de escolaridade intermédios e baixos níveis de escolaridade.

O que se constata é uma desvalorização dos recursos humanos, observada na redução da diferenciação dos salários em função dos níveis de escolaridade.

Uma constatação que deverá ser seguida e monitorizada relativamente à deterioração da percepção social associada às qualificações secundárias e intermédias e ao ensino vocacional e profissional, naquele que constitui o principal défice estrutural que se reporta às qualificações intermédias, cujo diferencial para a média Europeia se compara negativamente em 21 pontos percentuais (diferença da percentagem de população entre os 25 e os 64 anos que não completou o ensino secundário).

Na verdade, o estudo constata que se deu a queda do salário real dos trabalhadores com ensino superior e secundário. A média do salário real dos trabalhadores com ensino secundário reduziu-se 45 euros (-4%), de 1092 euros, em 2006, para 1047 euros, em 2020. Em 2006, o salário real médio dos trabalhadores com ensino superior era de 1745 euros, 134 euros acima do observado em 2020, numa redução de 8% para 1611 euros.

Tito Miguel Pereira

Consultor