Violência à porta fechada

A ver se eu percebi bem:

  • Em 2022, 28 pessoas morreram vítimas de violência doméstica em Portugal. 24 mulheres e quatro crianças. Repito: quatro crianças. Mortas vítimas de violência doméstica. Acho que nos lembramos todos, pelo menos, da imagem da pequena Valentina (este caso ainda de 2020) que, com nove anos, terá sido morta à pancada pelo pai, em Peniche. Como nos lembramos da jovem de 20 e poucos anos, Beatriz Lebre, espancada e atrirada ao rio por um suposto pretendete a  namorado.

No último trimestre do ano passado, estavam presas 955 pessoas pelo crime de violência doméstica e mais de 1.400 vítimas recebiam acolhimento pela Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica. Mais de 30 mil “ocorrências” chegaram à PSP ou à GNR. É o crime mais denunciado e o que mais mata em Portugal.

Em 106 dias de 2023, já morreram quatro mulheres dentro das portas da sua casa, agredidas pelos companheiros.

  • A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais Contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa implica 98 padres nos 512 testemunhos que conseguiu validar. No mínimo, 4.815 crianças foram abusadas sexulamente dentro daquela instituição de tão boa reputação, lugar para nos penitenciarmos dos nossos pecados, seja em seminários, confessionários ou nas próprias igrejas. A Comissão acrescenta: 4.815 é o número “absolutamente mínimo”, a que foi possível chegar. Os testemunhos são medonhos, mas será um número não “particularmente elevado”.
  • Este fim de semana, uma jovem de 19 anos morreu esfaqueada à porta de um bar em Albufeira. Outros três foram baleados por causa de uma discussão mais acesa no Monte da Caparica. Desde o início do ano, assim de cabeça, ainda me lembro de outro senhor esfaqueado no peito numa rua do Porto, assim como um jogador de futebol, e de outro jovem espancado à porta do Maus Hábitos. E, para sair do litoral, acho que ainda nos lembramos do Luís Giovani, o jovem cabo-verdiano que terá sido agredido por vários homens à saída de uma discoteca em Bragança.

A lista seria infindável, basta abrir o diário sensacionalista que anda aí nas bancas.

  • Evaristo Marinho, ex-militar da Guerra Colonial, matou Bruno Candé, com cinco tiros, em plena luz do dia, junto a uma esplanada cheia de gente, em Lisboa. Já tinha entrado em discussão com o ator, proferinfo insultos racistas e gritando a ameaça para quem quisesse ouvir: “tenho lá armas em casa do Ultramar e vou-te matar”. Assim foi. Além das balas, o senhor de 76 anos, disparou impropérios de encher a boca: “Vai para a tua terra, preto! Tens toda a família na senzala e devias também lá estar!”. Arrependimento durante o julgamento? Zero.
  • Cláudia Simões apareceu-nos pela comunicação social com o rosto completamente desfigurado, depois de ter sido agredida por, pelo menos, um agente da PSP, chamado por um motorista de autocarro por a filha da mulher viajar sem passe. Insultos racistas, claro, não terão faltado: “Grita agora, sua filha da p***, preta, macacos, vocês são lixo, uma merda”. Depois disso, terá sido deixada insconsciente à porta da esquadra. A polícia veio dizer que o estado de Cláudia se devia a uma queda, mas o agente acabaria acusado de crimes de ofensa à integridade física qualificada, sequestro agravado, abuso de poder e injúria agravada.
  • E, por falar, em autoridade, há dois anos, Ihor Humenyuk foi agredido e morto no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, por três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Ao fim de 48 horas à guarda do SEF, o cidadão ucraniano foi encontrado pelo INEM em paragem cardiorrespiratória com um hematoma na testa e o corpo com manchas azuis e esbranquiçadas. Terá tido os pés e as mãos atados com fita cola. Só não foi deportado porque, no preciso momento, estava, pasme-se, inconsciente, vindo a morrer no hospital.
  • Segundo a Procuradoria-Geral da República e a APAV, nos últimos quatro anos triplicou o número de crimes contra idosos. Só no ano passado o Ministério Público abriu mais de 1.800 inquéritos relacionados, maioritariamente, com maus tratos, violência doméstica, burla e abuso de confiança. Multiplicam-se as denúncias de maus tratos e condições miseráveis em lares da terceira idade em todo o país.

Mas desatamos aos berros para que se fechem as fronteiras, para que termine a política de asilo a pessoas refugiadas que só vêm para cá desestabilizar, acabar com este nosso país tranquilo à beira-mar plantado, porque uma pessoa, afegã, em Portugal ao abrigo de um acordo de receção de refugiados, matou outra pessoa, ao que sabemos por ter uma obsessão por ela. Tendo essa pessoa passado sabemos nós lá bem pelo quê e, à custa disso, ter desenvolvido problemas de saúde mental. Mas ah e tal fechem-se as fronteiras que não queremos cá essas pessoas que são todas super violentas e não partilham dos nossos brandos costumes.

É isso?

Cláudia Brandão

Colunista