Joana Magalhães nasceu em Espinho, em 1982, estudou na Escola Primária de Nossa Senhora da Conceição, Escola Sá Couto e na Escola Dr. Manuel Gomes de Almeida. Como cientista, desenvolveu um projeto no âmbito da biologia molecular, esteve na Unidade de Medicina Regenerativa, que integra o Grupo de Investigação em Reumatologia, no Instituto de Investigação Biomédica da Corunha. A área da comunicação em ciência, na qual trabalha atualmente, levou-a a produzir uma minissérie, exibida no canal espanhol V Televisión, intitulada Quando for grande quero ser cientista. Um trabalho que se inseriu num programa denominado Cientistas na Biomedicina: uma carreira de fundo.

O que a despertou para a área das ciências?
Sempre fui apaixonada pelo conhecimento, não só na área das ciências, mas no geral. Na altura de decidir o meu futuro, deparei-me com grandes dilemas. Não sabia se iria enveredar pelas ciências, pelas humanidades ou pelas artes. No entanto, tive algumas influências mesmo a nível de televisão que me fizeram optar pela Biologia. Tinha em mente a Biologia Marinha e rapidamente passei para a área da Biologia Humana, que foi sempre a área à qual me dediquei profissionalmente.

Como foi a sua opção a nível universitário?
Escolhi o curso de Biologia em Aveiro porque era o único que possibilitava ter investigação desde o primeiro ano. Era totalmente direcionado para a investigação. Por isso, fiquei com as ideias muito claras desde essa altura porque tinha uma aplicação em ciências médicas.
No entanto, quando cheguei a Aveiro, verifiquei que a especialidade estava mais voltada para a área da ecologia.
Faz em setembro próximo 20 anos que tive a minha primeira experiência fora do país ao fazer Erasmus na Universidade de Ghent, na Bélgica. Estive durante um ano no laboratório. Foi no meu terceiro ano da licenciatura em Biologia, mas os estudos dessa universidade já eram de mestrado. Esse laboratório continua a ser um dos mais conceituados da Europa e é um centro de referência que trabalhou com as amostras de Covid na Bélgica.
Na altura tive a possibilidade de trabalhar com modelos animais nas áreas da hepatite e da sida. Tive, por isso, esta extraordinária experiência que me marcou profundamente.

Foi a partir dessa altura que definiu o percurso da sua vida?
Não sei ser terá sido a partir dessa altura. Tenho a certeza de que foi a partir dessa altura que decidi que teria de estar fora de Portugal. Queria estar com outras culturas porque para mim não era só o fazer ciência num ambiente multidisciplinar e multicultural, que foi algo que marcou a minha carreira, mas sentia muito a necessidade de conhecer aquilo que era diferente e trazer isso para casa.

Nessa altura e ao contrário daquilo que acontece atualmente, foi uma opção sua sair do país?
Considero que fui privilegiada em todos os aspetos que tive ao longo da minha carreira. Fui privilegiada no acesso a Erasmus, cujas bolsas eram pequenas e houve, com um esforço da minha família para me proporcionar essa experiência e o acesso ao programa. No doutoramento tive acesso a uma bolsa europeia e nunca fui financiada pelo Governo Português. Tive a possibilidade de fazer o doutoramento em Espanha, em Sheffield, Reino Unido e na Universidade do Minho, em Braga. Depois disso, fui convidada para trabalhar no Instituto Biomédica da Corunha porque, na altura, estavam a montar um laboratório na área específica em que estava a trabalhar e, posteriormente, tive acesso a outros contratos através do governo espanhol.
Por isso, desde o primeiro mês em que terminei o curso, tive sempre um contrato de trabalho. Todas as bolsas que tive estiveram associadas a um contrato de trabalho. Esta, infelizmente, ainda não é a realidade em Portugal.

Com um doutoramento chegou a lecionar aulas na universidade?
Através do Instituto de Investigação Biomédicas, dei aulas na Universidade da Corunha, a nível de mestrado e em diferentes disciplinas. O meu contrato era de investigação, mas colaborava com funções docentes nessa universidade. Neste momento mudei-me para a cidade de Barcelona e estou a trabalhar numa empresa, também na área da investigação na parte de ciências sociais e da comunicação de ciência. No entanto, espero, no futuro, voltar a dar aulas. Não sei em que universidade de Barcelona!
Fazer a reinserção de estudantes, mesmo a nível de doutoramento, nas empresas, promovendo a inovação é um dos objetivos. Neste momento estamos a fazer esta ponte com as autarquias para que haja uma circulação do conhecimento nas diferentes esferas da vida pública.

Fale-me do seu trabalho na área da Medicina Regenerativa…
O meu perfil é multidisciplinar, algo que atualmente é muito solicitado. Estive em Ghent e depois voltei para Portugal onde fiz um estágio na Faculdade de Medicina do Porto onde trabalhei com modelos animais aplicados à área da fisiologia e cardiologia. Quando entrei para o doutoramento trabalhava na área de engenharia de materiais. Desenvolvíamos materiais que pudessem ser implementados no corpo em diferentes áreas de forma a promover a regeneração de tecidos. Foi esta a grande área em que trabalhei, especificamente na aplicação de doenças reumáticas. Trabalhei desde a síntese química de materiais até à sua fabricação e manipulação para se implementar na cartilagem. Foi um trabalho voltado para o âmbito da artrose, vendo a resposta das células a esses materiais antes de os poder implementar no corpo humano. É como se fosse uma prótese temporária, utilizando materiais que se possam ir degradando ao mesmo tempo que o corpo vai regenerando, com a libertação de algumas substâncias que ajudam o organismo a regenerar e a reparar a lesão.

Este trabalho teve frutos?
Acho que contribuí em diferentes âmbitos e que fiz diferentes contribuições no sentido de entender melhor que tipo de materiais podem ser utilizados, assim como técnicas na área da física dos materiais. No fundo, para se chegar a um grande resultado são necessárias pequenas contribuições. Não tenho uma grande contribuição para o resultado final, mas sim estas pequenas contribuições.

Como reagiu a comunidade científica ao seu trabalho?
A parte multidisciplinar do meu trabalho permite aprender diferentes linguagens como equipas de engenharia e médicas podem utilizar o conhecimento. Quando fui para a Corunha estava inserida num grupo médico e, por isso, conseguia entender melhor quais eram as necessidades reais dos pacientes de forma a tentar gerar respostas mais rápidas. Muitas vezes trabalhamos sob o ponto de vista teórico e desenvolvemos determinadas perguntas para as quais queremos dar resposta, mas nem sempre essas são as prioridades das pessoas que estão doentes. Esta relação com diálogo com as associações dos pacientes e equipas médicas permitem outra forma de responder à ciência. Penso que também conseguir dar uma contribuição neste sentido.

Artigo completo na edição de 10 de agosto de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.