Da insensata equidade à absurda iniquidade

Sempre parecerá de inteira justiça e equidade que as situações que tantas vezes nos parecem irrazoáveis e injustas tenham o seu merecimento de mudança e ajustamento para algo mais justo e equitativo.

Os tempos, os tempos estão a mudar. E sempre estarão em mudança, tanto mais com os princípios sobre os quais temos a perspectiva de olhar, analisar e julgar situações com olhares distintos da evolução do pensamento e da percepção individual, comunitária e societal sobre tantas outras sobre as quais imperavam outras perspectivas, deslocadas em tempo e espaço e pensamento colectivo.

Dir-se-á sempre que uma acção nunca deixará de ser errada, mesmo que aceite e realizada por muitos, e que uma acção será sempre correcta mesmo que aceite e realizada por poucos ou que quase ninguém a pratique.

Sem prejuízo. Enfim. Sem discutir o mérito, mas as suas consequências.

A Cidade de Birmingham, a segunda maior cidade do Reino Unido, depois de Londres, e uma das maiores autoridades locais da Europa, contando com uma população de 1,1 milhões de habitantes, e sede da respectiva área metropolitana com uma população superior a 4,3 milhões de pessoas, declarou falência.

Em resultado de várias acções e sentenças legais que exigem o pagamento de indemnizações a trabalhadoras reclamando verbas devidas por igualdade salarial, os cofres da Cidade de Birmingham têm sido drenados por indeminizações cujos montantes têm delapidado os recursos financeiros da cidade, progressivamente e de forma insustentável.

Ao longo da última década, a Cidade de Birmingham já pagou mais de 1.400 milhões de dólares de compensações e indeminizações. A dívida actual rondará ainda 950 milhões de dólares. A Cidade estima que terá um défice de 109 milhões de dólares no ano financeiro de 2023/24.

Os responsáveis locais afirmam que “este é um dos maiores desafios de sempre que a cidade já enfrentou. Implica que existirão significativamente menos recursos disponíveis no futuro, comparativamente a recursos existentes nos anos anteriores e que terão de ser reorientadas as prioridades de como aplicar o dinheiro dos contribuintes”.

A par da imensidão do fardo das indeminizações, a Cidade de Birmingham, tal como a generalidade das autarquias locais, vem experimentando desafios imensos ao seu financiamento, em resultado das necessidades de ajustamento decorrentes da crise financeira.

Não há milagres. Os recursos das autarquias locais advêm na generalidade de taxas e impostos aplicados a cidadãos e empresas, e das transferências do orçamento da administração central, que por sua vez vêm de taxas e impostos aos cidadãos e empresas.

Com transferências da administração central a se reduzirem de forma acentuada, as transferências da administração central para as autarquias locais, no Reino Unido, diminuíram para metade entre 2010-11 e 2020-21.

O desafio da restrição das transferências da administração central, obriga a maior dependência das receitas próprias dos seus impostos e taxas aos seus cidadãos e às suas empresas.

Com as sucessivas pressões conjunturais ao longo dos últimos 15 anos, essas pressões assumem um carácter estrutural e desafios de sustentabilidade de difícil superação.

A crise financeira, a emergência e incerteza pandémica, a crise energética e a dinâmica inflacionária, reclamaram a assunção de respostas de apoio às pessoas, famílias e às empresas, que assumiram valores crescentes de despesa pública, as quais imensamente reclamadas pelas populações e assumidas pelas autoridades locais.

Simultaneamente, as fragilidades associadas ao crescimento económico incipiente, incapaz de gerar fluxos de rendimentos, afectam largamente a capacidade de geração de receitas a partir de impostos e taxas aos cidadãos e às empresas, não crescendo na dimensão do crescimento das despesas.

O défice agregado das autoridades locais, no Reino Unido, para os dois próximos anos, ascende a mais de 3.800 milhões de dólares, “apenas para manter os serviços correntes em funcionamento”.

Para fazer face à menor capacidade de geração de receitas públicas, a resposta é o aumento das taxas e impostos, que oneram cada vez mais os cidadãos e as empresas, as quais experimentam cada vez mais dificuldades, em virtude da dinâmica inflacionária e da incapacidade da economia de gerar os fluxos de rendimentos expectáveis para que cidadãos e empresas tenham os rendimentos adequados para fazer face às suas necessidades e para suportar a maior carga de impostos e taxas que são chamados a pagar.

Este diferencial traduz-se numa maior participação e abrangência da actuação das autoridades locais, que são chamados a participar em vários domínios de apoios sociais, e simultaneamente, numa progressiva degradação dos serviços públicos, ditos mais tradicionais, educação, habitação, apoio social, água, saneamento e resíduos urbanos, e manutenção de infraestruturas básicas.

O défice agregado das autoridades locais, no Reino Unido, para os dois próximos anos, ascende a mais de 3.800 milhões de dólares, “apenas para manter os serviços correntes em funcionamento”.

Na sequência da “declaração de falência”, os responsáveis afirmam que “todas as despesas serão suspensas, não serão permitidas novas despesas, à excepção da protecção às pessoas mais vulneráveis e dos serviços básicos, porque não temos dinheiro” e que têm de trabalhar com urgência na implementação de um plano de recuperação financeira “que envolve escolhas difíceis sobre os serviços públicos mínimos a assegurar, como operacionalizar e reduzir a dimensão e a estrutura da organização municipal”, e cujas medidas liminares incluem: despedimento de trabalhadores, venda de activos do Município incluindo terrenos e edifícios e aumento de impostos e taxas sobre os cidadãos e as empresas!

O cenário é assim devastador para toda a comunidade: degradação acentuada de serviços, maior carga de impostos e taxas sobre os cidadãos e as empresas, menores rendimentos dos cidadãos, e uma pressão avassaladora para maiores despesas de apoio social em virtude das dificuldades adicionais geradas pela situação já difícil, a que acresce toda esta situação.

Uma penalização excessiva que condena toda a comunidade a viver mal e pior. Uma penalização que em benefício de uns, determina a condição de desemprego a outros tantos, ou mais, como consequência, porventura destinando toda a comunidade e gerações futuras a um fardo demasiado pesado de viver e superar, e que só a médio e longo prazo poderá ser revertido.

Como uma decisão de busca de uma eventual igualdade, se transforma numa insensata equidade e à absurda iniquidade de condenar toda a comunidade.

Lá como cá. Uma situação que já vivemos, experimentamos e conhecemos. Necessária muita reflexão e ponderação, para não se perderem os anéis e, com eles, também os dedos. Necessária muita coragem para afirmar a reflexão, pensamento e acção contra corrente e contra-intuitiva ao senso comum, mas a favor do bem comum.

Tito Miguel Pereira
Consultor