Orlando Martins foi o fundador e o primeiro presidente da Associação de Futebol Popular do Concelho de Espinho (AFPCE). Com 65 anos, natural de Espinho e residente no Bairro Piscatório, define-se como um homem de sete ofícios. Atualmente, é vendedor de peixe e já não segue com entusiamo os Leões Bairristas, equipa que fundou.

Como foi a sua infância?
Até casar, morei na rua 15, próximo do palacete da Rosa Pena. Aos 17 anos casei e fui morar para o Bairro Piscatório, para o lugar onde atualmente tenho a minha casa. Aos 15 anos fui trabalhar para a Casa Sobral, na rua 19. Cerca de um ano depois saí de lá. Foi antes do 25 de Abril, altura em que deixávamos facilmente um emprego para irmos para outro, só para ganhar mais 25 tostões! Fui trabalhar para a fábrica Hércules. Entrei para lá com aquela que veio a ser a minha mulher. Pouco tempo depois, como a CETAP pagava bem, fui trabalhar para lá, cerca de 15 dias antes do 25 de abril de 1974, até 1983. Fui para a Polipoli, onde estive cerca de 10 anos e criei o meu próprio negócio. Vendi cerâmica e atualmente, o meu negócio, é peixe fresco porta a porta.

O que fazia na fábrica Hércules?
Era ajudante de motorista e fazia a distribuição dos produtos no Porto, nomeadamente dos sacos de plástico, garrafas para o sangue na Bial e garrafas de plástico para o óleo alimentar.

Recorda-se de alguma estória desse tempo?
O meu pai, pelo Natal, ia a Espanha fazer compras. Já era casado e a minha filha era pequenina. O meu pai trouxe uma boneca para a neta. Ela tirou a roupa à boneca e vi que tinha sido fabricada na Hércules! Foi de Espinho para Espanha, para, depois, voltar para cá!

E na CETAP?
Trabalhei nas espumas e, quando esse sector fechou, fui trabalhar para as máquinas de injeção de plástico. Não quis ir trabalhar para a Duropur, uma fábrica que pertencia aos proprietários da CETAP, e em boa hora o fiz porque depois fechou.

Passou por imensas artes…
Sou um homem dos sete ofícios. Sempre me adaptei muito bem a qualquer trabalho. Tive a possibilidade de concorrer à Polipoli e fiquei na secção de injeção de poliuretano, onde se fabricavam as portas das câmaras frigoríficas. Nunca percebi por que razão fiquei, porque houve outros colegas que também concorreram. Trabalhei lá durante 10 anos. Ao fim desse tempo, saí e estabeleci-me por conta própria.

O que o levou a deixar a Polipoli?
Saí por uma questão de seis contos [30 euros]. Quando saí da CETAP ganhava 33 contos [165 euros] e fui para a Polipoli ganhar 27 contos [135 euros]. Na altura da entrevista, tinha a categoria profissional de especializado e eles não tinham ninguém com essa categoria na empresa. Mantiveram a categoria, mas não mantiveram o ordenado. Na altura, aceitei porque sabia que a CETAP não estava de boa saúde e tinha compromissos financeiros. Sujeitei-me a ganhar menos com a promessa de que, ao longo dos anos seguintes, o valor seria reposto. Não o fizeram e então disse ao patrão que ia embora.

Como entrou o negócio da venda de peixe na sua vida?
Decidi vender cerâmica para as obras. Mais tarde, a construção civil entrou em crise e a minha sogra convenceu-me a ir vender peixe. Fui experimentar durante um mês, porque não tinha nada a perder. Ao fim de um mês, já tinha uma carrinha nova para vender peixe. É isso que faço ainda hoje.

Vende porta a porta?
Vendo porta a porta, com a minha carrinha. Levo o peixe fresco até junto de alguns clientes que tenho, na zona dos Carvalhos. A minha volta tem 37 quilómetros e já foi maior. As pessoas com mais idade vão morrendo e vou tendo menos clientes. A malta nova, quando quer comprar peixe, já vai aos supermercados. Eu não arranjo o peixe, mas a minha mulher ainda o faz.

É um negócio que tem tendência a acabar…
Tenho falado imenso com a minha sobrinha, que é peixeira, e com o meu cunhado sobre isso. Penso que daqui a meia dúzia de anos este negócio deixa de existir. Cada vez os peixeiros são menos. Os casais novos estão a trabalhar e não estão em casa e, por isso, não temos compradores. Depois do trabalho, eles vão aos supermercados e compram o peixe que até já vem arranjado. A nós ainda nos valem os velhos. Nós levamos-lhes o peixe a casa. A minha mulher vende o peixe do nosso mar, que ainda vem com areia, e eu vendo outro tipo. Os meus clientes não gostam desse peixe que vem com areia e os da minha mulher preferem esse produto.

Como veio parar ao Bairro Piscatório?
A minha mulher já morava no Bairro e, em 1998, comprei a casa onde estou atualmente. Era uma casa como muitas que existiam no Bairro Piscatório e que, felizmente, consegui ir renovando.

Praticou algum desporto enquanto jovem?
Jogava futebol com os amigos, mas não era grande jogador. Por isso, acabei por me dedicar a dirigente de clubes.

Artigo completo na edição de 21 de dezembro de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.