Quando, na escola, os professores – de Portugês, acho – promoviam aquelas sessões de debate entre os alunos, diziam sempre que não havia argumentos certos ou errados, que aquilo era apenas um momento para expor a visão de cada um sobre determinado assunto. Para que aprendessemos a argumentar, a defender as nossas ideias, talvez, até, para nos ajudar a assumi-las mesmo que fossem contrárias às da maioria. E, quero crer, para, desde logo, aceitarmos que há pontos de vista diferentes sobre qualquer tema, todos válidos, desde que fundamentados. Portanto, ninguém ganhava. Acho que nem para avaliação aqueles debates contavam.
Os debates a que hoje assistimos são apenas para uma coisa: “ganhar”. Seja lá isso o que for e mesmo que ninguém ganhe com eles.
Eu, que, felizmente, não sofro de grandes ansiedades, fico com o ritmo cardíaco acelerado. Aquilo parece um sprint de frases soltas para o ar. Mas, mais do que um sprint, estes momentos foram uma tremenda falta de respeito por quem está a falar. Ao estilo jogo de ténis em modo acelerado porque quem não está a responder não sabe ouvir (bravo, o “não, não pode”, de Mariana Mortágua, quando Luís Montenegro perguntou (vá, ele pelo menos perguntou) se podia interromper). Quem está na reggie daqueles debates já deve ter percebido que nem vale a pena escolher outra visualização que não seja o ecrã dividido entre os dois protagonistas porque andar a tentar algo mais dinâmico é difícil de acompanhar.
“Os debates a que
hoje assistimos são
apenas para uma
coisa: “ganhar”. Seja
lá isso o que for e
mesmo que ninguém
ganhe com eles.”
É que quando os jornalistas interrompem para dizer que o candidato não está a responder à pergunta, tudo bem. Aquilo não é um comício. O “antes de responder à sua pergunta, quero dizer que…” devia ser proibido, certo. Mas falar por cima – “não é verdade” x 475632 vezes – impede qualquer um de terminar o raciocínio, quanto mais quem está em casa de o compreender.
Dir-me-ão que a capacidade de liderar é que conta. Pois a mim parece-me que o que conta é o colar o adversário ao passado – e a outros do seu passado político – e dizer-se que se vai fazer de Portugal um país do caraças.
Eu gostava de escolher com base em ideias, mas não creio que tenha tido andamento para as acompanhar nestes debates. Voltando à escola, se a pergunta fosse “que ideias tem cada um para a cultura, a saúde ou a habitação”, eu chumbava fácil (se calhar alguns deles também, para dizer a verdade…).
Acontece que, depois daqueles trinta minutos (mais os descontos, se for o facho a mandar larachas que dão audiências), vem algo pior: o comentário sobre os debates. O “afinal quem é que ganhou o debate?”.
Sempre achei desprovidos de sentido os programas de comentário sobre futebol. Depois dos 90 minutos, que todos vimos, qual o sentido de ir ouvir supostos “especialistas” analisar lances, decisões, atitudes, motivos para vitórias ou derrotas e ainda lhes acrescentar “conclusões” e sentenças para o futuro de cada equipa, jogador ou treinador? Mas é futebol, relativizemos. Agora…política?
Acresce, ainda, as “personalidades” ou “especialistas” (?) que são escolhidos para discorrer comentários, muitas vezes apenas para mostrar que discordam com as ideias – na verdade nem é com as ideias, é com a forma como elas foram transmitidas – como se interessasse a alguém. Não é no que eles gostavam que fossem as ideias dos candidatos que votamos, desculpem, senhores. Quem são aquelas personagens para me dizerem quem ganhou ou perdeu (imaginando que isso até importa). Cada comentador vai dizer que o seu candidato “ganhou” e pronto. Dou por mim, tantas vezes, a questionar-me se vimos o mesmo debate.
Estes momentos valem quase tanto como as sondagens. Encomendas e enviesamentos para influenciar e não tornar nada mais claro. E depois de meia horinha de troca de galhardetes, mais duas horas de sentenças sobre a troca de galhardetes, dedicamos os três dias seguintes, imaginem a dar crédito ao quê? Às alarvidades nas redes sociais? Acertaram. Não há melhor sítio para nos esclarecermos quanto a vitórias em debates e, já agora, darmos a nossa visão – sempre mais certa que a de todos – sobre quem ganhou, quem disse as “verdades”, quem “vai mudar isto tudo”.
Isto da opinião, de facto, tem muito que se lhe diga. Quem estava certo eram os meus professores: cada um com a sua, sem respostas certas ou erradas (apesar de sabermos que esta malta – tanto os que se candidatam como os que comentam – estão sempre certos e os outros errados).
Portanto, com tanto espalhafato, tanta correria, tanta falta de tempo para expor um raciocínio e, do outro lado, tão pouca vontade de deixar que ele termine, tanta teoria e opinião especializada, quem é que ganhou com os debates? Os eleitores não foram de certeza. Pelo menos, não aqueles que até gostavam de votar conforme as políticas e não conforme as frases ditas para o soundbite.
Se estávamos à espera dos debates para dar umas luzes aos indecisos, perdemos uma bela oportunidade. Porque quem ganha com estes debates é apenas o populismo e a abstenção. Quem diz as frases que mais ficam no ouvido, quem diz “as verdades”, aquele que “expõe as mentiras” e que vai “ser a mudança”.
Mudemos, por isso, de alguma forma, o formato do debate – leia-se, da exposição clara e respeitadora de ideias – a bem de uma votação esclarecida. E da democracia. Ou, então, talvez seja mais produtivo ficarmo-nos pela leitura dos programas dos partidos. De pão e circo não se constrói nada. Dia 10, lá estaremos, a tentar não estragar o que Abril conquistou. Como esta liberdade para, publicamente, dizer…coisa nenhuma.
Cláudia Brandão
Jornalista