Prémio Literário Nortear

Há iniciativas que não sendo muito divulgadas têm grande impacto. A este propósito, lembro uma, da qual tive o privilégio de ser moderadora – uma sessão de apresentação de dois livros que foram premiados pelo Nortear.

Então, o que é o Nortear?

“NORTEAR é um projeto de intercâmbio cultural, que tem como eixo a promoção da criação artística e pretende aumentar o conhecimento e a circulação da cultura por meio de redes colaborativas, através do desenvolvimento de diversas atividades, entre as quais o Prémio Literário Nortear, uma das iniciativas previstas no âmbito do Memorando de Entendimento celebrado entre a Consellería de Cultura, Educación e Universidade (Xunta de Galicia), a Direção Regional de Cultura do Norte (Portugal) e o Agrupamento Europeu de Cooperação Territorial Galiza-Norte de Portugal.  O Nortear foi distinguido em 2019 na categoria de “Melhor Projeto de Cooperação Transfronteiriça”, do galardão europeu “Sail of Papenburg”, promovido pela Associação das Regiões Fronteiriças da Europa (ARFE) e que visa distinguir estratégias, projetos, programas e ações no âmbito de cooperação transfronteiriça”. 

No cartaz das sessões para jovens do ensino secundário, da parte da manhã e para adultos de noite, anunciava os nomes das jovens escritoras vencedoras deste prémio mas, entretanto, também já detentoras de outros importantes prémios literários: Marta Oliveira com Medula e Lara DoPazo com Clementina. Com este poema em prosa, narrativa onírica e emotiva, foi Lara DoPazo a vencedora da primeira edição do Nortear. 

Marta Oliveira, muito conhecida em Espinho, onde estudou e reside, muito próximo da cidade, foi a vencedora de 2023. 

Lara Dopazo Ruibal, salientou a importância que o prémio teve na sua vida enquanto jovem escritora “Este Prémio colocou-me no mapa literário”. Salientou, ainda, a difusão dada a esta ação que permite aos jovens escritores criar pontes entre os dois lados da fronteira e a oportunidade de conhecer outros escritores, através da Conversas Nortear. Para a escritora “existe um cruzamento de conhecimentos que nos permitem crescer enquanto escritores”. 

O Prémio Literário Nortear permite abrir o mundo literário aos jovens, porque existe uma continuidade de acompanhamento nas mais diversas atividades desenvolvidas pelas instituições organizadoras como também Marta destacou.

 Estas duas obras foram apresentadas em contexto escolar para alunos do secundário. Um anfiteatro encheu jovens em sessão animada de revelações sobre o processo criativo e os temas tratados: do coração magoado de Clementina a precisar de ser remendado em metáforas de uma beleza extraordinária, à dependência ao mundo virtual e perda da liberdade onde o poder da tribo tudo determina, em Medula. 

Já na parte final, ficaram revelações de potenciais escritores, a querer romper… Este incentivo à leitura e escrita parece ter sido conquistado. Na sessão da noite, tivemos em destaque a apresentação da obra Escavadoras de Marta Pais de Oliveira prémio revelação Agustina Bessa Luís. O processo criativo muito especial que a criadora apresenta, algo diferente, a envolver cenários com ligação à terra e às raízes onde as personagens, predominantemente mulheres, surpreendem-nos em diálogo e questionamento constante entre o real e o ilusório e onde o imaginário ganha uma dimensão libertadora, a romper dogmas e a testar limites. Fica aqui o desafio de leitura desta obra tão marcante e original onde Marta Oliveira prima pela irreverência na forma tão especial de narrar e de criar personagens. 

No começo da apresentação, citei Vergílio Ferreira: 

“Um livro que se escreve é imutável. O mesmo livro que se lê não o é. A inspiração de quem o escreveu deu o que tinha a dar. A de quem a recebe varia e não se esgota. Porque se se esgotou, o livro não tinha nenhuma.”

 Pelo facto desta citação dizer-me muito, quis partilhá-la no momento da apresentação das obras das duas jovens escritoras, tão inspiradoras. As suas criações, agora já não lhes pertencem, elas são agora pertença dos leitores que a interpretam de diversas formas, às vezes, completamente diferente,  e é essa a verdadeira magia da leitura.  

  Ambas são jovens talentosas já com obras publicadas e premiadas. Elas foram, como já referi, as vencedoras do Prémio Nortear, constituídos por júris muito conceituados e exigentes. Abriu-lhes a porta para o mundo da escrita. Marta acredita no poder das palavras, e que poder tem a escrita da autora em puzzle de palavras a corporizar ideias. Também Lara DoPazo dá vida às suas personagens surpreendentes pelas palavras.

“Foi um enorme prazer ser
moderadora desta sessão,
onde as criadoras, pela sua
forma de expressão, viva
e comunicativa, plena de
entusiasmo e simplicidade, a
todos encantaram”

Clementina é uma obra lírica e apaixonante. Ela reúne um acumular de imagens simbólicas, metáforas surpreendentes, apresentadas através de uma linguagem poética que dão luminosidade a este conto. O mar aparece como entidade libertadora e curadora. Desde o início, após a notícia bombástica, a perda de um amor, há a sensação de abandono, de memórias passadas que não voltam. De forma metafórica a dor exulta em sofrimento mas há caminho para trilhar: ir embora. E a esperança fica no ar. 

De forma tão melodiosa a memória da personagem em sofrimento, cresce, perante a fragilidade e incapacidade de voltar atrás. Esta narrativa tem uma dimensão onírica muito enternecedora onde as imagens são apelos ao nosso imaginário: os insetos e os pássaros libertados em cada primavera, a imagem do cabelo enleado na cama, na rua, nas pessoas… Há uma rendição à dimensão espiritual e emocional que dá sentido à Pessoa, visível nas suas fragilidades, mas pronta e corajosa para voar…  

Quanto a Medula, trata-se de uma história muito forte e intensa sobre a realidade atual onde todos estamos mergulhados. Um alerta especial para os jovens. Um grito de apelo à reflexão. Reflexão que intercala o ritmo crescente da narrativa.  Estão no ar várias opções: viver, contemplar, refletir, ser livre, ter opinião, ou pelo contrário, ficar dependente, formatado pelas regras de pertença à tribo que nos amarra e nos destrói. Há uma certa forma de ironizar situações e, por vezes, chegar à hiperbolização, a marcar o fenómeno desta estranha forma de viver. 

Trata-se de uma narrativa intensa onde a caricatura de situações ganham forma e nos surpreendem. Elas transformam pessoas, deixando de pensar, existir, dando apenas relevo ao que importa: o mundo virtual. O ato de não estar sempre a publicar e publicitar é algo terrível para um mundo concebido apenas para este foco. Os alertas soaram, os Ministérios e os Centros puseram-se em ação. As decisões são difíceis quando a ligação a uma tribo é importante, evitando-se a solidão, porém, exigem a dependência e a adoção de regras severas. Há obrigatoriamente que ser formatado e a inevitável perda de autonomia. Um grito de alerta para a mudança – a conquista da liberdade, o voo fatal, mas há ainda a esperança a pairar…  

Foi um enorme prazer ser moderadora desta sessão onde as criadoras pela sua forma de expressão, viva e comunicativa, plena de entusiasmo e simplicidade, a todos encantaram. 

Muito sucesso à Marta Oliveira e à Lara DoPazo, duas Pessoas maravilhosas: continuem a primar pela vossa originalidade e liberdade na escrita. 

Deixo um repto aos leitores deste Jornal: leitura destas obras tão especiais. 

E outro apelo ainda, em especial dirigido aos espinhenses: os jovens da Euro região Galícia – Norte de Portugal, entre os 16 e os 36 anos, que tenham escrito uma obra original em português ou em galego, de cinco mil a oito mil palavras podem participar, até ao dia 19 de julho, na 10ª edição do prémio Nortear de relato curto. A edição de 2024 tem uma dotação financeira de 3.000 euros para o vencedor e a publicação da obra em português e em galego.

A Plataforma Nortear: https://nortear.gnpaect.eu/ receberá todas as candidaturas até o próximo dia 19 de julho.

Arcelina Santiago

Professora