António Pacheco, Fernando Gomes da Silva, Franquelim Carvalho, Júlio Grenha, Manuel Freitas, Mário Praia e Salomão Barbosa. Todos espinhenses e ex-combatentes no antigo ultramar. Foram forçados a partir, deixando os familiares em sobressalto e sem garantia de regresso aos lares. Viram a vida de colegas a tombar em combate e emboscadas, socorreram feridos e estropiados e trocaram correspondência com as então ditas madrinhas de guerra.
Manuel Freitas partiu para a Guiné no primeiro de maio de 1968. A recruta foi em Paramos, um ano antes, mas o embarque foi adiado. “Estive de ‘baixa’ no hospital. Tinha o meu irmão mais velho em Moçambique e, para os meus pais, ter dois filhos ao mesmo tempo no ultramar era doloroso e abalava-os bastante”. Dois meses depois, ingressou no regimento de infantaria em Leiria, tirou a especialidade de escriturário e passou por Lisboa, antes de partir.
“Foram cinco dias de viagem”, lembra o espinhense de 72 anos, olhando para o mar junto à praia da Baía, como se estivesse no largo estuário do Tejo, antes do embarque. “O barco era enorme e aquilo parecia mais transporte de gado do que transporte de seres humanos. A vida era assim…”
“A minha família não se foi despedir de mim. Os meus pais não tinham capacidade financeira e já fora um desgosto muito grande a despedida do comboio em Espinho”, recorda, contendo a emoção. De resto, o antigo militar assinala que a partida “não era espetáculo para ser visto e vivido”, mas sim “momentos aterrorizadores”. “O hino nacional a tocar e o barco a arrancar…por muito que fôssemos fortes, ninguém aguentava as emoções. Partia-se sem se saber o que ia acontecer. Se íamos para o mato ou para outro lugar qualquer”, descreve, quase 53 anos depois.
Era uma aventura forçada, quando ainda se atingia a primeira vintena da vida. Na Guiné, foi parar ao hospital militar como escriturário. “Tive sorte em não ser colocado em combate”, reconhece, sem deixar, por outro lado, de recordar as madrugadas em que foi “ajudar os colegas a ir buscar feridos e mortos aos helicópteros”. “Isso mexeu bastante comigo. Tinha 20 anos e essas experiências marcaram-me”, sublinha, recordando um episódio em que, sem saber, se viu a apoiar um colega de infância. “Ele gritava pelo meu nome dentro do helicóptero e foram-me chamar. Foi assim que encontrei o meu amigo sem pernas”. Manuel Freitas pediu férias, enquanto o camarada estava internado, e acompanhou-o até ser evacuado para se tratar em Portugal.
Tal como os irmãos Américo e João, Manuel sempre se dedicou ao associativismo. A experiência valeu-lhe um posto: “tornei-me responsável de uma equipa de futebol e, de repente, já era dirigente, jogador, treinador e massagista”. Por ela passava a organização dos jogos, mas os jogos às 6 da manhã e às 4 da tarde acabaram por desgastar. “Rebentei ao fim de 18 meses e tive de vir de maca para cá”, lembra, acrescentando ter feito uma equipa de espinhenses na Guiné que venceu um adversário, em 1968, por 3-1…e que se chamava ‘Invencível’.
Reportagem publicada, na íntegra, na edição de 11 de março de 2021. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro, a partir de 28.5€.