A imprensa está longe de viver os seus melhores dias. Ser jornalista – hoje, mais do que nunca – é uma profissão arriscada, mesmo quando o jornalista foge ao risco de ser repórter de guerra ou a exercer a sua atividade em países com regimes políticos pouco recomendáveis. Basta ser jornalista e trabalhar num jornal – mesmo no mais democrático dos países e longe de cenários bélicos – para não termos a melhor profissão do mundo. E falo na primeira pessoa do plural com razão de ser e conhecimento de causa: sou jornalista profissional desde 1984 (há quase 40 anos, portanto), tive o privilégio de trabalhar nos mais importantes e reputados jornais portugueses (no Expresso entre 1985 e 1989; e no Público desde a sua fundação, de 1989 até 2002) e atualmente tenho a sorte, confesso-vos, de não trabalhar em nenhum jornal mas sim em televisão, na RTP, onde sou subdiretor da RTP Internacional desde 2015.
Sei que os dias de agonia na televisão linear estão a caminho – a televisão tradicional formatada de acordo com uma grelha de emissão, com horários pré-definidos – mas ainda lá não chegámos. Quanto aos jornais, como todos vamos sabendo, estão a lidar dificilmente com a transição do papel para o digital e com o advento das redes sociais de onde emergiram “jornalistas cidadãos” que produzem as suas próprias “notícias” à distância de um clique, ao sabor visceral do momento, ao ritmo dos seus caprichos pessoais, à luz de um qualquer ódio conjuntural – o que depois produz a amálgama das “fake news” em que muitos jornalistas profissionais acabam também por tropeçar, vítimas da sua incapacidade para lidar com a dimensão alucinante, vertiginosa e avassaladora deste “admirável” mundo novo que nos devia fazer corar de vergonha. E, sobretudo, que nos deveria fazer parar – para pensar. Para mediar. Para mastigar a informação. Para buscar o outro ponto de vista. Para demandar o contraditório. Para procurar a verdade. Em suma, para fazer jornalismo.
Não, isto não é um ensaio. Por isso, não vou alongar-me em reflexões profundas sobre o “estado da arte”, com a essência do jornalismo ou com a formulação de respostas acerca dos mecanismos mais relevantes – e fundamentais – da comunicação de massas nas sociedades verdadeiramente democráticas. Não. O objetivo deste texto é apenas o de celebrar os 89 anos da Defesa de Espinho, pois foi isso que me pediu amavelmente o seu diretor, ao que acedi prontamente com imenso prazer, orgulho e lisonja – quer porque sou jornalista quer, sobretudo, porque sou espinhense. Orgulhosamente espinhense.
Neste contexto tão adverso, em que mesmo os jornais mais relevantes têm dificuldade em continuar a existir (e quase se limitam à circunstância de sobreviver como podem), é ainda mais significativa a resiliência da imprensa local. Por isso, merece reconhecido apreço – e reconhecimento público – a meta extraordinária que a DEFESA DE ESPINHO está agora a celebrar, os seus 89 anos de vida, a escassos 11 anos de cumprir um século de existência.
DEFESA DE ESPINHO é uma designação feliz, pois sugere o que um jornal local deve ser um espaço de comunicação coletiva em que se defende o território, as nossas gentes, as causas comuns.
Jornal fundado em 27 de março de 1932 por Benjamim Costa Dias, meu ilustre vizinho nos meus tempos de infância – “Bom dia Sr. Benjamim Dias”, era assim que o cumprimentava respeitosamente –, a DEFESA DE ESPINHO figura justamente entre os melhores jornais locais portugueses. E digo-o sem qualquer tipo de favor, pois é um jornal atento à notícia, com uma paginação agradável e contemporânea, sempre à procura da melhor reportagem (esse género maior do jornalismo) e dirigida com muito empenho, dedicação e competência pelo Lúcio Alberto. Um jornal que soube modernizar-se e acompanhar os novos tempos – para melhor resistir aos tempos difíceis –, explorando as possibilidades abertas pelas novas tecnologias de informação.
Além do mais, é um jornal que se escreve em português escorreito, de bem com a ortografia e com a sintaxe, o que não é pouco nestes dias que correm feitos de emojis, meias-palavras, neologismos de franco mau gosto e um profundo desconhecimento da língua que já foi de Camões, Fernando Pessoa ou Virgílio Ferreira.
Acresce que a DEFESA DE ESPINHO é uma designação feliz, o nome mais apropriado que poderia encontrar-se para um jornal da terra, pois sugere o que um jornal local deve ser acima de tudo o resto: um espaço de comunicação coletiva em que se defende o território, as nossas gentes, as causas comuns, os anseios de todos.
Como se não bastasse, devo à informação local boa parte do que aprendi de mais relevante nesta profissão, tendo começado, inclusive, num jornal de Espinho, no Maré Viva de finais dos anos 70, com referências pessoais e profissionais a quem estarei eternamente grato pelo que me ensinaram (e pelo que aprendi com eles): António Santos, Vítor Sousa, Joaquim Fidalgo, Augusto Mota, António Moreira da Costa, Fernando Marques, entre muitos outros. E que bom – e estimulante – foi conhecer a ativíssima imprensa de Espinho desses tempos, quando chegámos a ter três jornais semanários em saudável e animada concorrência: a DEFESA DE ESPINHO, o Maré Viva e o Espinho Vareiro, título “sui generis” do inigualável e controverso João Quinta.
Quis o destino, entretanto, que fosse também na informação local que abraçasse o projeto jornalístico da minha vida, o jornal Público, onde fui editor do caderno Local Porto entre 1990 e 1998.
Com a crescente globalização e ritmo supersónico do fluxo informativo, os mais distraídos (ou ignorantes) podem pensar que a informação local está num rumo inexorável de irrelevância. Nada disso. Quanto mais facilmente temos notícias de Wall Street, mais precisamos de saber o que se passa nas obras da Rua 33. A escala planetária não pode tirar-nos os pés da terra – da nossa terra. Ou, como dizia o “slogan” inicial da rádio TSF, por uma boa notícia vamos ao fim do mundo – ou vamos ao fim da rua.
Por mim, não tenho dúvidas: é tão importante existir o New York Times como existir a DEFESA DE ESPINHO.