Em louvor do nosso festival de música

Tal como as pessoas, todas as terras têm as suas virtudes e os seus defeitos. No caso de Espinho, um dos seus maiores defeitos é a incapacidade endógena para valorizar o que tem de bom, numa espécie de ”karma” que nos impede de ver o que temos de melhor, porventura manietados pela mesquinhez de quem acha que o melhor é sempre alheio, é sempre de fora, está sempre para além dos limites do concelho.

Pois fazemos mal. Porque temos muitas coisas boas, porque temos gente de qualidade, porque temos instituições de referência. E temos eventos, e festivais, e agremiações, e múltiplas iniciativas que só nos engrandecem, que só nos dão motivos de orgulho, que ajudam a colocar Espinho no mapa – e que nos deveriam fazer sentir regozijados pelo papel determinante que desempenham em prol do bem-estar coletivo, como contributo para uma dimensão social cosmopolita, em favor de uma qualidade de vida maior e mais gratificante.

Um desses casos, e exemplo maior, é o Festival Internacional de Música de Espinho (FIME), cuja 47ª edição está a decorrer e se prolonga até 24 de julho. Sim, leram bem, não é gralha: o FIME está quase a celebrar meio século de existência (!) e é um dos festivais de música portugueses mais perenes e prestigiados.

Temos de ser capazes de valorizar o que Espinho tem de bom, sem provincianismos ou falsas modéstias. Exemplo maior disso, o FIME está quase a celebrar meio século de existência. Louvemos o festival. E os seus organizadores.

Como acontece com todas as coisas – exceção feita ao despontar da vida na Terra… – há uma explicação para o aparecimento deste importante festival de música em Espinho, e ela decorre da experiência do professor Mário Neves com a organização dos concertos da Pro-Arte, na década de 50 do século passado. Com efeito, Espinho foi uma das localidades portuguesas que teve direito a uma delegação da Pro-Arte (de cuja Comissão Administrativa fazia parte Mário Neves, precisamente), uma instituição que tinha como objetivo difundir a cultura musical por todo o país.

De algum modo, não é abusivo considerar que os alicerces do FIME podem ser descortinados nos primeiros concertos realizados pela Pro-Arte, entre março e julho de 1952, que contaram com a participação, entre outros, da pianista Helena de Sá e Costa, do violinista Henri Mouton ou da violoncelista Madalena de Sá e Costa, irmã de Helena.

O festival propriamente dito começaria na década seguinte, em 1964, quando Mário Neves apresentou ao Conselho Administrativo da Academia de Música de Espinho uma proposta de colaboração com a edilidade para levar a cabo um programa de “alto nível artístico e cultural”, a que deu o nome de Festival de Música de Verão.

A primeira edição do festival decorreu no Salão Nobre do Casino de Espinho e contou desde logo com a presença da Orquestra de Câmara da Gulbenkian, do pianista suíço Harry Datyner e do Grupo Experimental de Ballet de Lisboa. Esta primeira edição teve ainda a participação, em três recitais, das irmãs Helena e Madalena Moreira de Sá e Costa (piano e violoncelo), Maria Fernanda Mella e Florinda Santos (canto e piano) e Maria Teresa Xavier de Paiva (piano). A Orquestra Sinfónica do Porto, sob a direção do Maestro Silva Pereira, acompanhou o solista e violoncelista Ramon Miravall – meu saudoso professor de piano, um homem de rara elegância e apurado sentido musical, que era avô do meu bom amigo e ex-colega dos tempos de escola Paulo Miravall, hoje um bem-sucedido empresário da restauração, radicado na Figueira da Foz.

De então para cá, o festival foi crescendo e ganhando múltiplas dimensões. Mesmo no “ano da brasa” de 1975, em pleno processo revolucionário subsequente ao 25 de abril de 1974, o festival não deixou de realizar-se. Apesar de não ter sido possível assegurar a habitual participação de orquestras, coros e companhias de dança, o festival concretizou-se na mesma com meia dúzia de concertos de canto e piano.

O Festival de Música de Verão não se realizou entre 1977 e 1984 e iria reaparecer em 1985 com novos moldes, a começar pelo calendário, que pela primeira vez se estendeu ao longo de um mês inteiro.

Nesta breve evocação, merece especial referência o festival de 1987, pois a edição desse ano trouxe ao certame espinhense diversos grupos e artistas que lhe conferiram uma dinâmica renovada – com destaque para os norte-americanos Quartenaria, a pianista brasileira Vania Elias-José, o sexteto de jazz de António Pinho Vargas, o Grupo de Chorinhos do flautista Dirceu Leite e os Segréis de Lisboa – numa dinâmica que iria consolidar-se em futuras edições, onde é justo salientar, nestes últimos anos, o papel determinante desempenhado por Alexandre Santos, atual Presidente do Conselho Diretivo da Academia de Música de Espinho.

A minha dica:

Porque entendo que o espírito de partilha é gratificante, reservo a parte final destas minhas crónicas na Defesa de Espinho para uma dica ou sugestão nas mais diversas áreas – do lazer, da cultura ou do agora denominado ”lifestyle”. Esta semana não poderia deixar de referir mais uma edição da “Essência do Vinho”, que por causa da pandemia trocou o mês de fevereiro por julho, e o habitual e icónico Palácio da Bolsa pelos jardins do Palácio de Cristal. É já neste fim-de-semana, de sexta-feira (a partir das 18h00) até domingo. São 12 mil metros quadrados ao ar livre com espaço para a presença de 150 produtores, nacionais e estrangeiros, quatro espaços de restauração em funcionamento contínuo e um conjunto de experiências em torno do vinho e da gastronomia. Quem não tiver teste válido à covid-19 para entrar no evento pode fazê-lo no próprio local. E eu próprio vou andar por lá (com as duas doses da vacina da Pfizer já tomadas) a dinamizar algumas ações no âmbito da minha atividade na Revista de Vinhos.

Luís Costa
Jornalista