Importa o maior ou o melhor?

Ouvimos frequentemente notícias que entram pela nossa casa adentro como se fossem realmente algo de extraordinário, a sugerir um galardão meritório de orgulho coletivo: o maior centro comercial da Europa foi inaugurado na Amadora e, mais recentemente, foi aberto o “maior” centro de vacinação da Europa, em Lisboa. Também a “maior” árvore de natal do país foi inaugurada há dias em Valongo, “destronando” Aveiro. O maior bolo-rei, o maior piquenique, a maior, o maior de tudo e mais alguma coisa, em comprimento, em altura em volumetria! Estes parecem ser o apanágio das nossas pretensões de felicidade e notoriedade.

Talvez sejam complexos de inferioridade de um povo que foi, em tempos, o maior e o melhor. Sim, Portugal é um país pequeno, mas de grandes feitos. Os recordes acompanharam-nos desde sempre, desde o início da nossa história, em 1143, quando D. Afonso Henriques fundou o nosso país. Os feitos no mar, principalmente na época dos Descobrimentos, são aqueles que mais deram que falar por esse mundo fora. Depois, passados tantos anos, Portugal foi remetido ao esquecimento pelo resto do mundo. Atraso e esquecimento esse que custou a recuperar, mas que, com resiliência, tem vindo a reconquistar o seu lugar no mundo. Temos atualmente os melhores cientistas espalhados pelo mundo, a maior e melhor reserva natural de fauna e flora marinha nas Ilhas Selvagens…

Mas não seria já tempo de nos preocuparmos com o “melhor” e não com o “maior”?

Perante isto, sinto um sentimento de preocupação, e até mesmo de incómodo, por esta necessidade de escolha entre o maior em vez do melhor. Na verdade, reconheço que é mais fácil quantificar do que qualificar. Definir o que é a qualidade, é algo muito complexo, porque obedece a critérios objetivos, mas também a critérios pessoais. Aliás, avaliar a qualidade é tarefa muito difícil, começando pelos parâmetros que se escolhem e os termos de comparação que sirvam de preferência. Por exemplo, o centro de vacinação que foi criado, sendo o maior, será também o melhor? Analisemos alguns dados: será melhor porque há mais espaço para acolhimento? As pessoas podem estar abrigadas das intempéries? Podem aguardar sentadas? Há sinalética adequada para regular distanciamentos? O tempo de espera é o razoável e expectável? Há boas condições para armazenamento das vacinas? O acompanhamento pós-vacina é eficaz? Há acompanhantes para conduzir pessoas com mobilidade reduzida? Há prioridades de acordo com a lei? Se tudo isto, de entre outros critérios, for respondido afirmativamente, então poderemos dizer que se trata de um bom centro de vacinação e até poderemos ir mais longe, dizendo que é excelente, mas, mesmo assim, não poderemos dizer que é o melhor porque, para isso, teríamos de ter termos de comparação com outros.

Estes recordes tão desejados pelos povos, ao longo de tantos anos, talvez por acharem que lhes traz notoriedade e reconhecimento público, estão assinalados no Guiness World Records, com edição desde 1955.

Ao ser publicada anualmente, revela uma coleção de recordes e superlativos reconhecidos internacionalmente, tanto em termos de performance humanas, como de extremos da natureza. Está dividido em várias categorias: Planeta Terra, Seres humanos, Catástrofes. Em algumas áreas, justifica-se pela curiosidade, inovação ou mérito que podem encerrar. É o caso dos recordes a nível desportivo, como o maior salto em altura ou em comprimento. Mas se, nestas áreas, os recordes elevam a autoestima de um coletivo e fazem-no colocar “nas bocas do mundo” já outros, e não querendo apelidá-los de ridículos, chamar-lhes-ei antes insólitos e fúteis. O que trazem eles de enriquecimento, curiosidade ou orgulho para valer a pena a sua menção e destaque a nível mundial? Trata-se da banalização dos valores. Pergunto então, como alguém já perguntou um dia, “por que raio alguém se lembrou de fazer isto?”.

O que traz de orgulho, maravilhoso, ou mesmo inédito para a humanidade, saber que há um detentor da maior unha do mundo, o maior cabelo, o maior bigode…? Diria que há egos que são alimentados por excentricidades, talvez apenas para saírem do seu pequeno mundo. Mas acrescento: há egos bem mais questionáveis como aqueles que alimentam e propagam estas curiosidades como feitos mundiais.

Há outras curiosidades que o livro dos recordes nos mostra, mas com outra dimensão e interesse, por exemplo, o país onde se registou o terramoto de maior magnitude; o animal que põe o ovo mais pequeno ou o maior. Aqui, apercebemo-nos da importância da localização em zonas das bordas de placas tectónicas, como aconteceu em Valdivia, no Chile, em 1960, e da diversidade das espécies como o beija-flor e a avestruz, ajudando-nos a conhecer melhor o nosso planeta e os seres vivos.

Para terminar, e atendendo à época natalícia, deixo a questão em aberto: o maior ou o melhor? Será que a quantidade é preferível à qualidade?

Que as nossas escolhas para dádivas à família, aos amigos, ao Planeta sejam as maiores, em simbolismo, centradas no essencial, em afetos e em ações cívicas pois só assim teremos a certeza de que estamos a fazer as melhores escolhas.

Desta forma, entraremos, seguramente, no Guiness World Awards mais importante do mundo: o LIVRO dos valores que deve orientar a nossa vida coletiva.

Este pode não ser o maior e o melhor Natal mas, pelo menos, que seja a promessa e a esperança de novos tempos de felicidade.

Arcelina Santiago
Professora