Plantar uma árvore, ter um filho, escrever um livro. Ou a política do nada disso.

Não sei se ainda nos orientamos pela sabedoria popular. Agora fico na dúvida se precisamos de provas científicas para as coisas ou se, cada vez mais, acreditamos preferencialmente em tudo o que vai contra a ciência (quem quer saber de factos, afinal?). Não creio que haja prova de que a felicidade plena, a realização existencial sejam atingidas apenas depois de alcançadas as três populares ações na vida: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro (não necessariamente nesta ordem). Mas fazemos sempre esta referência quando alguém tem um filho, certo?

Então, lamento constatar, parece que andamos a caminhar precisamente no sentido oposto da sabedoria popular. Se não, vejamos o que andamos a fazer logo no primeiro ponto, plantar uma árvore.

Aqui mesmo ao lado, em Ovar, parece que andamos a trocar pinheiros-bravos por campos de ténis. A questão não é assim tão simplista, claro, mas não deixamos de estar a abater árvores e não é por estarem doentes. Ao que percebi, são 250 hectares de árvores, arbustos e outra vegetação, até 2026, não é meia dúzia delas. A intervenção, no Perímetro Florestal das Dunas de Ovar, estava prevista no Plano de Gestão Florestal, da responsabilidade do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas. Ninguém achava que era um procedimento que não estaria previsto, obviamente. E se calhar é esse acordo entre todas as partes que assusta.

Por aqui também andámos a mandar abaixo umas árvores rua 19 abaixo. “Mas estas estavam de facto doentes, Cláudia”. Sim, eu sei. Mas a mim “venderam-me” um projeto virado para a sustentabilidade ambiental, ia jurar que cheguei mesmo a ler “espaços verdes” algures. Está lá – e muito bem – uma ciclovia, mas se chamam espaços verdes àqueles canteiros temos aqui um problema conceitual. Ou sou eu que percebo zero de botânica. Mas ainda sei o que é uma árvore e não vejo lá grande coisa.

Portanto, neste primeiro passo para a nossa realização existencial estamos a fazer tudo ao contrário: em vez de plantar, deitamos abaixo.

depois de plantar uma árvore, querem que as pessoas tenham filhos, mas não garantem que as mulheres vão manter os seus empregos neste processo.

Vejamos o segundo ponto. 2021 leva o título de “mínimo histórico de nascimentos em Portugal”, numa queda que já tinha começado no ano anterior. Como pouco ou nada pode facilmente ser justificado por um único fator, talvez possamos deixar de usar a pandemia como desculpa para tudo.

É que ela continua a inundar os noticiários, mas espero que não vos tenha distraído para uma notícia que dizia assim que “Mais de duas mil mulheres não viram renovado contrato em 2020 por estarem grávidas ou terem sido mães recentemente”, a que acrescia um sub-título igualmente importante e capaz de contornar a desculpa da covid: “A subida anual a dois dígitos no número de comunicações tem sido uma constante desde 2014”.

As comunicações são feitas à Comissão de Igualdade no Trabalho e no Emprego, que obriga os empregadores a justificar o afastamento destas trabalhadoras, sob pena de terem de pagar entre 612 aos 9.690 euros de coima por violação das leis laborais. Confesso que gostava de ler essas justificações.

Portanto, depois de plantar uma árvore, querem que as pessoas tenham filhos, mas não garantem que as mulheres vão manter os seus empregos neste processo. É assim? Sim, de facto, ter um emprego não entra na tal equação da felicidade plena. O que importa é trazer crianças ao mundo, que a carreira – ou seja lá qual for a forma com que se encara o emprego – é coisa para os homens.

Último ponto – escrever um livro. Começo por admitir a minha irrefletida e preconceituosa atitude de julgamento quando alguém me diz “ah não gosto de ler”. Pode ser uma pessoa maravilhosa…mas. Fica sempre um mas.

Um estudo de 2020, elaborado pelo Plano Nacional de Leitura e o ISCTE, concluía que os alunos do 3.º ciclo e ensino secundário liam cada vez menos, e que a família tinha grande influência nos hábitos de leitura. Ler por prazer é uma realidade quase utópica, mas há outro fator que me assusta: segundo o PISA (Programme for International Students Assessment), os jovens em idade escolar gostam cada vez menos de ler, gastam cada vez menos tempo nessa actividade e grande parte não entende o que lê, nem sabe distinguir factos de opiniões. E, claro, as fontes pouco fiáveis da internet, assim como a sua imediatez, não ajudam.

Se lêssemos mais, não só escreveríamos melhor, como compreenderíamos tudo melhor. Os horizontes ficam mais largos. Nem estou a falar do teor dos livros, mas ajudava ler verdadeiramente livros em vez de chats nos telemóveis (se ainda se usasse o corretor…), letras gordas dos jornais, “notícias” na internet.

Então, se se lê pouco – e mal – e o que se lê não se compreende…que importância têm os livros? Que felicidade é essa de escrever um livro que não é lido, quanto mais compreendido? Para que serve um livro se não acrescenta?

Podemos acreditar que o conceito de felicidade plena já mudou há muito, e claro que é diferente para cada pessoa. Mas a mim parece-me que ir contra a sabedoria popular nos está a levar a fazer tudo exatamente ao contrário e isso pode não ter os melhores resultados. O povo é que a sabe toda.

Cláudia Brandão
Jornalista