Peregrinar é muito mais do que o acumular de passos na aplicação do smartwatch. Hoje, sabemos de antemão se estamos a entrar num intervalo de pulsações cardíacas diferentes do normal, hoje sabemos quantas calorias ingerimos ao pequeno-almoço, quantos copos de água ingerimos mas ainda não foi descoberta a chave para uma questão tão simples: o que é para ti a peregrinação? Encho-me de coragem e pergunto a quem é meu amigo e que se encontra ali, sentado, de colete pendurado por perto. Levam ao peito o número de peregrino, mas detenho-me a perguntar se aquele não é um número de perguntas sem resposta na tão longa viagem até ao lugar da Iria.
Todos me dizem que peregrinar é muito mais do que partir do ponto A ao ponto B. É gritar pela dor na lombar, é sentir a planta do pé a ferver, é sentir que tudo se vai perder ali, tão perto, cada vez mais perto! Peregrinar é acima de tudo, vivenciar. É partilhar o “quarto” com alguém que não conhecemos ou de quem somos amigos, é o apagar das luzes a uma hora de jantar tardio de família, é o acordar ainda sob a companhia da lua.
Francisco Azevedo (FA): Depois de um interregno de dois anos e a ausência de quem já se cruzou neste grupo, a chegada ao Altar do Mundo ganha outra dimensão?
Celina Silva (CS): É uma mistura de emoções. Não consigo explicar. Gratidão!
FA: Das cinco etapas que vos ligam ao Santuário, que parte é mais difícil de ultrapassar?
CS: Todas as etapas são difíceis, mas – com fé – é tudo mais fácil!
Descobri, em tempos, a necessidade de ir ao encontro de respostas concretas, saber ouvir o corpo nas alturas certas, da cabeça ao coração. Ontem, ao chegar perguntaram-me logo se já tínhamos trazido a vontade e fome para lhes fazer companhia. É muito giro misturarmo-nos no mesmo espaço com cento e oitenta e seis almas e tratarem-nos pelo nome, e alguns até pelo diminutivo. Hoje, prometi que os acompanhava na estrada. E cumpri, não tanto como gostaria. Vou dispensar o meu GPS, o restaurante “Convívio” era bem longe do que o destino a que o carro me levou! Quero continuar a fazê-lo até ao fim da jornada, voltar ao lugar da Iria e antes a Santa Catarina da Serra, como se trouxesse a mim as pessoas daquele tempo, daquele dia, daquela vez. Peregrinar é também ressuscitar, na impossibilidade da presença e do voltar a ouvir aquela voz e sentir aquele toque no ombro nos dias mais cinzentos.
Para Tiago Soares, a viagem a Fátima fá-la por vocação. Dragão assumido, é vê-lo diversas vezes a conceder entrevistas aos órgãos de comunicação social junto ao Estádio do Dragão. Na noite da partida referiu com alguma mágoa não poder acompanhar o jogo do seu filho nesse domingo, pelas onze da manhã.
TS: Sem dúvida alguma que chegar ao Altar do Mundo sinto que a missão está cumprida, com muito esforço e dedicação. O grupo é do melhor que há! As dores e saber que temos de chegar ao Altar, as etapas são todas difíceis mas Nossa Sra. está do nosso lado.
É estranho não ter no grupo algumas pessoas. É certo que a peregrinação, a paróquia de Espinho e a fotografia já colocaram no meu caminho pessoas que emanam uma luz especial, e muitas delas reconhecerei os sorrisos e olhares. Recordando Raúl Solnado “é preciso deixar um rasto de luz por onde passamos…”. Ora, é mesmo esse o sentido da melhor imagem, mas para o fazer também preciso saber ser melhor pessoa. Isso traduz-se em ter capacidade para ouvir um sim, um não, um “faz assim que é melhor para ti, para o teu trabalho, para o teu futuro…”. Sinto que cada viagem é uma aprendizagem, cada peregrinação uma prova de admissão ao que vem a seguir. Seremos melhores pessoas no fim da jornada!? Não sei responder. Mas pelo menos que saibamos tirar dela o melhor partido, e se na noite de doze de maio sorrirmos para dentro e para fora – através do olhar, sim!! Todos os quilómetros valeram a pena!!